sábado, 17 de julho de 2010

LUCIDEZ DO DR LOURIVAL, DESEMBARGADOR NO MARANHÃO, GRANDE HOMEM E AMIGO


Poucas vezes vi um Desembargador de Tribunal de Justiça tecendo críticas tão pertinentes com relação ao sistema prisional Brasileiro. Trata-se, no caso, do Desembargador Lourival Serejo, do Tribunal de Justiça do Maranhão.
Em seu site na Internet, o eminente Desembargador destacou sete “questionamentos críticos” com relação ao sistema prisional e concluiu pela necessidade de uma “revisão de mentalidade.”
A imprescindível a leitura na íntegra do comentário.
Minha experiência com a justiça criminal
Depois de 17 anos afastado da Justiça Criminal por estar, nesse período, em outras varas especializadas, encontrei-me, de repente, por força do meu acesso ao Tribunal de Justiça, com assento numa câmara criminal, de onde acabo de sair para uma câmara cível por motivo de uma permuta.
Em quase três anos que passei pela Justiça Criminal, os fatos levados a julgamento suscitaram-me vários questionamentos críticos e, até mesmo, indignação com alguns pontos que aqui venho expor. São eles:
1 - Ausência de advogados
A ausência de advogados nos julgamentos de habeas corpus e apelações criminais é uma constante. Em aproximadamente 95% dos casos, os advogados ou defensores não comparecem para fazer sustentação oral, ou mesmo só para acompanhar o julgamento. Esse detalhe sempre me deixou intrigado. A leitura que fazia era de que aos impetrantes pouco importava o resultado do pedido, mesmo diante de uma evidente ilegalidade da prisão.
2 - Defesa deficiente
A defesa dos réus pobres é deficiente, sobretudo no interior do estado, onde os réus são, em sua maioria, analfabetos ou semianalfabetos. Quando contratam advogados por parcos honorários ficam confiantes de que terão seus direitos garantidos. Não podem entender a dinâmica processual e confiam no profissional que contratam. O prático e concreto é que, quando da apreciação de um habeas corpus, aplica-se com frequência a Súmula 64, do STJ, que diz: Não constitui constrangimento ilegal o excesso de prazo na instrução, provocado pela defesa.
Ora, sempre em meus votos, quando a denegação era fundamentada na culpa da defesa pelo retardamento da instrução, eu costumava perguntar: Que defesa? Não se pode falar em defesa se esta não foi eficiente, não foi responsável, não existiu. Se o réu não tem condições de saber o que está acontecendo, não sabe nem como reclamar. Como pode sofrer as consequências da desídia do seu defensor? Como pode ser o responsável pelo atraso da instrução?
Não se pode penalizar um réu preso há mais tempo do que o razoável sob esse fundamento se ele não teve conhecimento ou oportunidade de falar com seu advogado (às vezes, visitantes, nas comarcas distantes) e não sabe quais são seus direitos.
3 - A penalização excessiva
A postura dos fundamentos do direito penal do inimigo transpira na maioria dos decretos de prisões e nas sentenças, tomando-se os réus como bandidos, inimigos da sociedade, marginais que devem ser punidos a qualquer custo.
Observa-se, com mais frequência, essa atitude em referência aos crimes relativos à Lei 11.343/2006 (Lei Antidrogas). As quantidades das drogas, geralmente alguns papelotes de maconha e crack, são consideradas como de alta ofensa à ordem pública. Juntamente com esses papelotes, a polícia recolhe, geralmente na casa dos presos, pequena importância em dinheiro, sem averiguação (por mera dedução) de que aquele dinheiro é procedente de traficância. Não importa a versão do réu, basta a dedução do policial.
É inconcebível que, ao tempo em que se protesta contra o excesso de processos, ainda se utilize a máquina judiciária para abrir inquérito, desencadear-se uma instrução e prolatar uma sentença para punir condutas de repercussão insignificante na comunidade. Fatos em relação aos quais uma prisão por 24 horas teria um efeito pedagógico mais eficiente do que uma condenação posterior sobre algo que nem a população valoriza como crime. O que acontece na prática? O sujeito é preso (até mesmo em flagrante) e condenado, 2 a 4 anos depois. Exemplos: furto de shampoo em farmácias, uso de espingardas artesanais, em zona rural, brigas de bêbedos em bar, um tiro para o espaço etc.
4 - Violação de domicílio
A polícia recebe um telefonema anônimo e corre a invadir a casa de um suspeito miserável, em busca de drogas, sem mandado judicial, sem nada, apenas por cisma.
5 - A palavra do réu e a versão da polícia
E a versão dos presos em flagrante, em caso de drogas? São sempre e totalmente rejeitadas diante da afirmação dos policiais que os prenderam. Até que ponto essa absolutização da palavra do policial está certa?
6 - Penas elevadas
Um dos pontos que mais ofendia minha sensibilidade era deparar-me com penas elevadas e desproporcionais à infração penal. Como se não bastassem, ainda há as penas de multas também elevadas, sem considerar a miserabilidade do réu. Aliás, essa pena de multa deveria ficar a critério do juiz e não como comutação obrigatória, considerando-se, principalmente, a sua inocuidade. Ocorre que, em sua maioria, os julgadores não têm a iniciativa de dispensar a multa, mesmo diante de um réu comprovadamente miserável.
A inclinação dos julgadores é pela fixação das penas em maior grau possível, o que exigia da minha parte – e continua exigindo dos relatores – atenção permanente com a dosimetria. A Súmula 231/STJ favorece essa fixação de penas elevadas, desconsiderando a menoridade, a confissão espontânea ou outra circunstância atenuante para evitar-se a definição aquém do mínimo legal. O que se constata neste aspecto é a elaboração matemática do cálculo quase como um formulário, ligeiramente adaptado pela facilidade do computador a cada caso. Aparecem, então, os chavões: lucro fácil (em caso de roubo ou tráfico), personalidade voltada para o crime etc.
Não se percebe uma preocupação sociológica e existencial, quanto à pessoa julgada e quanto ao tempo da prisão na vida do condenado.
As penas mínimas, como limite do raciocínio do magistrado, já constituem violação da independência e da convicção dos julgadores, permitindo que penas elevadas sejam fixadas sem a desejada repercussão pedagógica para a comunidade, até pelo lapso de tempo entre o fato e o julgamento final. No caso do roubo de uma bicicleta velha, no valor de cem reais, em que a violência empregada foi apenas um empurrão e o bem é restituído em menos de meia hora, esse infrator, dois anos depois, é condenado a 5 anos e 4 meses de prisão, o mínimo possível nesses casos. Ocorre que ele foi preso em flagrante. Passou dois meses preso ou, até mesmo, como nos deparamos em alguns casos, toda a instrução na cadeia. Tudo por causa de um empurrão, de uma bicicleta de cem reais. Está certo isso?
7 - Prisões preventivas e prolongamento de flagrantes além do tempo
A pretexto da fumaça da ocorrência do delito e sua autoria, decreta-se prisão preventiva com muita facilidade, geralmente invocando a ordem pública, sem atentar para o prejuízo da liberdade sofrida pelo paciente. Do mesmo modo, elastece-se o flagrante às vezes por toda a instrução, sem aferição da conveniência ou não do prolongamento da prisão.
O mito da respeitabilidade do flagrante é tão incontestável que até sua homologação fundamentada é negligenciada.
A indiferença de alguns magistrados à situação do preso é percebida, dentre outras coisas, pelo adiamento de audiências. Cito dois casos para ilustrar. Primeiro, um cidadão, preso há 235 dias, teve uma audiência do seu processo adiada por falta de tinta na impressora. Nova data para a audiência adiada foi marcada 161 dias depois. Noutro caso, a audiência foi remarcada para um ano depois, apesar de o acusado já se encontrasse preso há sete meses. É falta de sensibilidade ou de responsabilidade?
8 - Revisão de mentalidade
Por conta da mídia, exacerba-se a onda repressora aos criminosos, sem qualquer política social que procure, ao menos a longo prazo, combater as raízes da criminalidade.
A cada dia, pugna-se por reformas das leis penais, do Código Penal, do Código de Processo Penal, para acelerar os julgamentos, aumentar as penas ou criminalizar novas condutas, mas não se fala em campanha social de inclusão dos marginalizados, não se fala em mudança de mentalidade para enfrentar o problema. O resultado é que cresce a postura do radicalismo entre o bem e o mal. Bandido é bandido e deve ser punido severamente porque todo dia, na televisão, só se vê é notícia de assaltos etc. Com essa visão maniqueísta, não se enfrenta os problemas com a profundidade que o tema requer, sob a ótica constitucional.
Os criminalistas deveriam promover campanhas de conscientização para a sociedade debater mais esses problemas e não ficar aplaudindo no escuro as opiniões apressadas dos mocinhos da mídia, desconhecedores dos paradigmas do Estado constitucional. A maximização dos direitos fundamentais – postulado garantista – deveria ser propagada como paradigma de um Estado em que a respeitabilidade dos direitos individuais seja a regra básica.
O mutirão das penitenciárias estaduais, promovido pelo CNJ, constatou uma série de prisões irregulares em todo o país. Alguns réus, jogados nos calabouços insalubres das penitenciárias, estavam ali como mercadoria abandonada em depósito. Sem identidade e sem avaliação do tempo e do motivo da prisão. Esquecidos do sistema.
Acompanhei de perto o mutirão que foi feito neste estado e pude constatar as situações absurdas que foram encontradas, em violação ostensiva aos direitos individuais. Manda-se o réu para as penitenciárias por qualquer crime e até para cumprir pena em regime semiaberto, em ofensa, inclusive, aos benefícios comprovados da justiça restaurativa.
Em conclusão, foi positiva minha passagem por uma câmara criminal, pois teve o efeito de um estágio para reacender minha sensibilidade social. Espero que as questões aqui postas venham a contribuir para o debate em torno do aperfeiçoamento da nossa Justiça Criminal.

sábado, 10 de julho de 2010


sexta-feira, 9 de julho de 2010

Interessante


Tal fato ocorreu numa comarca do interior do Rio Grande do Norte.Havia um ladrão misterioso na cidade que, na calada da noite, há um bom tempo, furtava roupas dos varais, mas por safadeza mesmo. Levava o que tivesse estendido, de cueca a cobertor, e que depois eram vistas rasgadas em locais próximos. Ninguém descobria. E o sujeito era esperto, pois passava semanas sem agir, dificultando sua revelação. Como se tratava de uma cidade pequena, tornou-se o papo da praça especular sobre quem seria. Diziam ser uma pessoa de outra cidade, pois alguém o teria visto de longe, mas não o reconhecera.Quase todo dia, quando o juiz chegava ao fórum, o vigilante dizia:- Ah, doutor, só queria saber quem é esse camarada.Os dias se passaram... e nada. Ao chegar certa manhã no prédio, acompanhado do Promotor de Justiça após uma inspeção eleitoral, novamente o comentário do vigilante:- Queria só ver a cara desse ladrão safado, Doutor.Foi então que o juiz falou:- Pois saiba, Jacinto, que me entregaram uma foto do suspeito.Foram os três para o gabinete do magistrado. Lá chegando, o juiz sentou-se ao birô, abriu uma das gavetas e de dentro retirou uma foto de tamanho médio, já meio desbotada. Entregou ao vigilante. Lá no retrato estavam cinco rapazes cabeludos e mal encarados, usando roupas surradas, magricelos e segurando latas de cerveja.O vigilante olhou... olhou... e perguntou:- Mas qual é o suspeito, o “cabra de peia”?O magistrado então se aproximou do rapaz, virou um pouco o papel da fotografia e apontou para um dos indivíduos da foto. Estava no centro do grupo, com cabeleira de quem não cortava fazia meses, portando um microfone e uma lata de cerveja em cada uma das mãos.- Soube que tinha sido esse aqui. O que você achou, Jacinto? Reconheceu?O vigia analisou um pouco, e falou:- Eita! É mesmo, Doutor! Foi esse “cabra” aqui mesmo – enquanto tocava com o indicador a figura no centro da foto –. Estou reconhecendo. É lá de Jardim de Piranhas... Olhe só a cara de maconheiro dele!Demonstrando estar satisfeito com a resposta, o juiz então agradeceu, deu um sorrisinho de canto de boca e entregou a foto ao Promotor de Justiça. O vigilante foi embora. O Promotor olhou a foto por uns instantes e, após um acesso de risos, devolveu-a ao magistrado.Foi aí que o juiz voltou a guardar na gaveta o retrato de quando era vocalista de uma banda de rock, durante a faculdade...

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Marco Aurélio sobre a linguagem juridica


Muito embora o Direito seja uma ciência, possuindo principíos, institutos, expressões e vocábulos com sentido próprio, há de se ter presente que a jurisdição se faz voltada ao cidadão comum.
Assusta quando constatamos a existência de termos incompreensíveis para o homem médio e que são totalmente dispensáveis. O juiz deve ter presente a clareza do vocabulário utilizado e isso não compromete a boa técnica.
Uma coisa é ter-se o envolvimento da boa técnica jurídica. Algo diverso é enveredar-se na trilha do falso saber e lançar palavras de dificil percepção.
Já diziam os antigos que a virtude está no meio termo. Que se busque o equilibrio ao formalizarem-se atos. Somente assim se aproximará o Judiciário do cidadão, tornando-o admirado pela sociedade

Iniquidades e pulsão primitiva pela vingança

Afirmações destacadas pela "Veja" na entrevista do ministro Cezar Peluso publicada nas páginas amarelas:"Quem pode pagar os serviços de bons advogados consegue chegar ao Supremo Tribunal Federal. Os outros não conseguem. Isso se chama, na prática iniquidade. Casos iguais, tratamentos diferentes".(...)"A menos que seja absolutamente necessário, não se deve mandar um criminoso para a cadeia. A prisão não deve funcionar como uma satisfação dessa pulsão primitiva que o ser humano tem pela vingança".

Fiquei muito triste ao ler


"É humanamente inconcebível para um ministro trabalhar em todos os processos que recebe. Ninguém dá conta de analisar 10.000 ações em um ano", admite o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Cezar Peluso, em entrevista à repórter Laura Diniz, na "Veja"."O que acontece? Você faz um modelo de decisão para determinado tema. Depois, a sua equipe de analistas reúne casos análogos e aplica o seu entendimento. Acaba-se transferindo parte da responsabilidade do julgamento para os analistas. É claro que o ideal seria que o ministro examinasse detidamente todos os casos", afirma.Mais adiante, Peluso reconhece que "essa transferência de responsabilidade para as assessorias pode causar abusos"."Não digo em relação ao STF, que é muito cioso de seus assessores. Refiro-me aos tribunais de segunda instância, em que o volume de trabalho também é enorme".

terça-feira, 6 de julho de 2010

Trair a constituição


Certa vez, um Delegado de Polícia teve a audácia de me confessar que para elucidar alguns crimes se via obrigado a “apertar” um pouco os acusados no momento do interrogatório. Perguntei-lhe o que significava esse “aperto” e depois de muita embromação entendi que se tratava mesmo de verdadeira tortura física e psicológica, sob o falso argumento de que, em benefício da “ordem pública”, os meios justificavam os fins.
Mais recentemente, ouvi esse mesmo argumento com relação à gravação de conversas entre advogados e seus clientes na Penitenciária Federal de Campo Grande (MS). Antes disso, o mesmo argumento também foi usado para justificar as Portarias baixadas por Juízes da Infância e Adolescência disciplinando o “toque de recolher” em suas Comarcas.
Agora, novamente para o bem do “interesse público”, o Congresso Nacional aprovou a chamada “Lei ficha limpa” e o Tribunal Superior Eleitoral respondeu consulta no sentido de que a citada lei vale para as eleições deste ano; que alcançará todos os candidatos que tiverem condenação em órgão colegiado antes da sanção da lei, bem como alcançará os processos em tramitação, os já julgados ou aqueles aos quais ainda cabe recurso. O relator foi acompanhado por cinco dos sete ministros. Apenas Marco Aurélio Mello ficou contra.
Assim, conquistas históricas da humanidade e inscritas na Declaração Universal dos Direitos Humanos, no Pacto de San José da Costa Rica e na nossa Constituição de 1988 são “relativizadas” em nome de um inexplicável “interesse público” como se houvesse interesse público maior do que garantir essas conquistas históricas.
Depois disso, parafraseando a obra de Marcos Caruso, pensei comigo mesmo: “é verdade: trair, coçar e violar a Constituição é só começar!”
“Trair e coçar é só começar”, aliás, é o título de uma peça teatral brasileira (adaptada para o cinema em 2006) considerada um dos maiores sucessos de público no Brasil. Encenada desde 1986, é a peça teatral há mais tempo em cartaz em todos os tempos, o que lhe valeu quatro menções no Guiness, o livro dos recordes mundiais.
Tomara que as violações à Constituição neste país não tenham tanto sucesso quanto a peça de Marcos Caruso!