quarta-feira, 23 de junho de 2010

Efetivação do justo


Seguindo linha de entendimento do STF, a sexta turma do STJ concedeu HC a um réu condenado por crime de tráfico de drogas, permitindo o cumprimento da pena em regime aberto e a substituição da pena privativa de liberdade por duas penas restritiva de direitos. Para tanto, a turma se baseou nos princípios da individualização da pena, da proporcionalidade e da efetivação do justo.


A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) admite, dependendo das circunstâncias, que uma pessoa condenada por tráfico de drogas inicie o cumprimento da pena em regime semiaberto ou mesmo aberto. O colegiado reconhece também a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos para quem cometeu o crime de tráfico sob a vigência da Lei n. 11.464/07 (crimes hediondos).
Adotando esse recente entendimento, a Turma concedeu habeas corpus a um homem condenado por tráfico de drogas para estabelecer o regime aberto para o cumprimento da pena privativa de liberdade e para substituí-la por duas restritivas de direitos, a serem definidas pelo juízo da execução.
As circunstâncias do caso foram fundamentais para a concessão do duplo benefício. Preso com 7,2 gramas de crack e um grama de maconha, o réu é primário, sem registro de antecedentes criminais, de modo que a pena base foi fixada em primeira instância no mínimo legal (cinco anos) e depois reduzida a um ano e oito meses.
O relator no STJ, desembargador convocado Haroldo Rodrigues, afirmou que, considerando a pena aplicada, reconhecida a primariedade do réu e fixada a pena base no mínimo legal, em razão das circunstâncias judiciais favoráveis, respeitando-se o princípio da individualização da pena, ela deve ser cumprida no regime aberto. Para ele, como a pena não ultrapassa quatro anos, não deve ser aplicado o dispositivo da Lei de Crimes Hediondos que veda esse benefício por não considerar as particularidades do caso concreto. Esse tem sido o entendimento adotado pela Sexta Turma.
Quanto à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, a Turma também vem concedendo o benefício a condenados pelo delito de tráfico. O fundamento é o mesmo. Os ministros entendem que a Lei de Crimes Hediondos, ao vedar a substituição de pena sem considerar as peculiaridades do caso concreto, ofenderia os princípios da individualização da pena, da proporcionalidade e da efetivação do justo

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Discordancia grotesca


O Superior Tribunal de Justiça oferece um bom exemplo de conflito entre a regra e o princípio, prevalecendo o segundo sobre o primeiro em caso de adoção por pessoa não inscrita no Cadastro Nacional de Adoção previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Veja o que diz a regra:
Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (ECA)
Art. 50. A autoridade judiciária manterá, em cada comarca ou foro regional, um registro de crianças e adolescentes em condições de serem adotados e outro de pessoas interessadas na adoção.
[...]
§ 13. Somente poderá ser deferida adoção em favor de candidato domiciliado no Brasil não cadastrado previamente nos termos desta Lei quando:
I - se tratar de pedido de adoção unilateral;
II - for formulada por parente com o qual a criança ou adolescente mantenha vínculos de afinidade e afetividade;
III - oriundo o pedido de quem detém a tutela ou guarda legal de criança maior de 3 (três) anos ou adolescente, desde que o lapso de tempo de convivência comprove a fixação de laços de afinidade e afetividade, e não seja constatada a ocorrência de má-fé ou qualquer das situações previstas nos arts. 237 ou 238 desta Lei.
Veja o que diz a decisão do STJ:
O ministro da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, Massami Uyeda, explicou quando já existe o vínculo afetivo a criança pode ter a sua adoção feita por um casal que não esteja inscrito no Cadastro Nacional de Adoção, previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
O ministro esclareceu que a observância da inscrição cronológica dos pais adotantes não pode prevalecer sobre o melhor interesse do menor. Segundo o ministro, o direito das pessoas que querem adotar não está em discussão. O que se busca na justiça é priorizar a criança adotada pelo casal com o qual, tem laços de afetividade.

Minha homenagem.


“Os momentos perfeitos, sobretudo quando raiam o sublime, tem o gravíssimo contra da sua curta duração, o que, por óbvio, dispensaria ser mencionado se não fosse a circunstância de existir uma contrariedade maior, que é não sabermos que fazer depois”.
(Saramago, Ensaio sobre a lucidez, Companhia das Letras, 2009, p.177).

terça-feira, 15 de junho de 2010

Esse é o Estado democrático de DIREITO?

A primeira reportagem do programa Fantástico (Globo) exibido ontem (13.06) mostrou a ação da polícia cumprindo mandados de prisão dos noivos e de alguns convidados durante uma cerimônia de casamento. Segundo a polícia, os noivos Maxwell da Costa e Rayza Gomes, e também o padrinho Raphael da Costa, faziam parte de uma quadrilha especializada em desviar cartões de crédito enviados pelo Correio. (leia a notícia no G1).
Ora, cumprir mandados de prisão é algo absolutamente normal no Estado Democrático de Direito. Agora, aguardar o exato momento da cerimônia do casamento, saltar o muro do local, gravar a ação em vídeo e repassá-lo para uma rede de televisão é um espetáculo absolutamente desnecessário. Mais que uma violação à intimidade dos “acusados” (termo usado na reportagem) e dos convidados, percebe-se uma flagrante falta de comedimento e evidente favorecimento a uma rede de televisão.
O mais grave ainda é que houve uma clara edição das imagens realizadas pela polícia com as imagens “oficiais” do casamento. Ora, as imagens do casamento não pertencem à polícia e nem são objeto de perícia ou produto de crime. Logo, não poderiam ser mostradas em rede nacional de televisão sem autorização de quem realizou as imagens ou de quem contratou o serviço.
Não sei por que é tão difícil para a polícia e para a Rede Globo entenderem que os preceitos constitucionais da igualdade (art. 5º, caput), da presunção da inocência (art. 5º, LVII) e do devido processo legal (art. 5º, LIV, CF) tanto valem para os acusados José Roberto Arruda e Tuma Junior, como para os acusados Maxwell da Costa e Rayza Gomes.
Na verdade, para a polícia, pobres e negros “suspeitos” (os “meliantes”) não tem dignidade e não são sujeitos de preceitos constitucionais. De outro lado, a Rede Globo, para alavancar a audiência do sonolento Fantástico, que faz bocejar até mesmo o apresentador Zeca Camargo (assista...), parece não saber o que significa decência, imparcialidade e ética jornalística.

sábado, 12 de junho de 2010


O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) visitou o Complexo Penitenciário Estadual Francisco de Oliveira Conde, em Rio Branco no Acre, nesta quinta-feira (10/06), e constatou “superlotação e irregularidades no cumprimento da pena.” Confira...
- É uma situação dolorosa, semelhante a que encontramos em quase todas as penitenciárias do país;
- Presos doentes misturados com sadios, detentos que deveriam estar no regime semi-aberto e descumpriram uma regra mínima nesse regime e, por isso, estão há muito tempo segregados no regime fechado;
- Existem 677 vagas, mas estão abrigadas hoje 2.180 pessoas, entre homens e mulheres, 322% a mais do que a capacidade;
- O Acre tem hoje a maior taxa de encarceramento de presos provisórios do Brasil, cerca de 50%, contra uma média nacional de 44%;
- Um preso com hanseníase, uma doença altamente contagiosa, dividindo a minúscula cela com sete detentos sadios;
- E o problema da superlotação vai continuar se persistir essa mesma sistemática de encarceramento que vem sendo adotada atualmente em vários estados.
E agora? E agora, nada!
Aliás, vamos esperar o governo construir mais presídios para remover os presos.
O problema é que às vezes construir presídios demora um pouco e quando a obra estiver pronta, o déficit já será bem maior.
“Enxugar gelo”, definitivamente, não é uma boa medida para solucionar o problema da crise do sistema penitenciário no Brasil. Por que é tão difícil questionar a fabricação do gelo? Ou será que tanto gelo já nos deixou com o corpo anestesiado e insensível à realidade?
Como tenho dito, se um “mutirão carcerário” resolver apenas “uma” prisão ilegal, já terá valido a pena. De outro lado, enquanto não estiver acompanhado de medidas efetivas em cumprimento da Constituição e da Lei de Execução Penal, comporta-se como o pior cego, ou seja, “aquele que não quer ver”.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Um rápido olhar constitucional sobre o projeto do novo CPC



Gerivaldo Alves Neiva *
Meu conhecimento em processo civil não passa do “senso comum teórico dos juristas” (Warat) e, por isso mesmo, não me atrevo a grandes comentários e análises gerais sobre o projeto do novo CPC. De outro lado, sendo mais curioso e já tendo realizado algumas pesquisas e cursos acadêmicos na área do Direito Constitucional, meus olhos não resistiram à tentação de buscar referências à Constituição e seus princípios no projeto elaborado pela Comissão presidida pelo eminente Ministro Luiz Fux.
A adequação do novo CPC à Constituição, aliás, é o tema do primeiro parágrafo da Exposição de Motivos: “Um sistema processual civil que não proporcione à sociedade o reconhecimento e a realização dos direitos, ameaçados ou violados, que têm cada um dos jurisdicionados, não se harmoniza com as garantias constitucionais de um Estado Democrático de Direito.”
Adiante, ao fazer referência aos objetivos da Comissão, a Exposição de Motivos deixa novamente evidente a necessidade de “sintonizar” o CPC com a Constituição: “... poder-se-ia dizer que os trabalhos da Comissão se orientaram precipuamente por cinco objetivos: 1) estabelecer expressa e implicitamente verdadeira sintonia fina com a Constituição Federal...”
No texto, os olhos do constitucionalista buscam, quase automaticamente, na análise de qualquer lei geral (Código, Estatuto etc), o capítulo que trata dos princípios. O projeto, acertadamente, aborda este assunto no Primeiro Capítulo e o artigo 1º é de encher os olhos: “O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e os princípios fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código.” Assim, para o novo CPC, a fonte primordial de sua interpretação é a Constituição. Como se vê, portanto, no momento da interpretação, nada de lei, de costumes, de analogia, de Súmulas e jurisprudência dos Tribunais.
Quanto à sua aplicação, o artigo 6° também enche os olhos do constitucionalista: “Ao aplicar a lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum, observando sempre os princípios da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade, da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência”.
A primeira parte desse artigo, como se sabe, foi tomada emprestada da Lei de Introdução do Código Civil (art. 5º), que na verdade é o Decreto-Lei 4.657/42, mas a parte final do artigo remete o aplicador da lei, mais uma vez, à observação dos princípios, colocando a dignidade da pessoa humana em primeiro lugar e um princípio não explícito na Constituição – a razoabilidade – logo em seguida.
O artigo 7º assegura a presença do princípio da igualdade formal e isonomia entre as partes, impondo ao Juiz, ainda, a aplicação do princípio do contraditório em caso de hipossuficiência técnica: “É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz velar pelo efetivo contraditório em casos de hipossuficiência técnica”.
Saindo do capítulo principiológico e adentrando ao capítulo dos poderes, deveres e responsabilidades do Juiz, o artigo 108 mais uma vez erige o princípio constitucional como fonte primeira de interpretação, devendo recorrer às demais fontes apenas em caso de lacuna ou obscuridade: “O juiz não se exime de decidir alegando lacuna ou obscuridade da lei, cabendo-lhe, no julgamento da lide, aplicar os princípios constitucionais e as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito”.
Mesmo no capítulo que trata das Provas, resolvendo a discussão acerca da prova obtida por meio ilícito, o projeto não descuidou de apontar a ponderação dos princípios e dos direitos fundamentais envolvidos na causa: “A inadmissibilidade das provas obtidas por meio ilícito será apreciada pelo juiz à luz da ponderação dos princípios e dos direitos fundamentais envolvidos”. (art. 257, parágrafo único).
Com relação à sentença, é importante destacar que o projeto admite expressamente que o juiz pode fundamentar a sentença em “cláusulas gerais ou princípios jurídicos”, devendo ponderar os valores e princípios colidentes: “Fundamentando-se a sentença em regras que contiverem conceitos juridicamente indeterminados, cláusulas gerais ou princípios jurídicos, o juiz deve expor, analiticamente, o sentido em que as normas foram compreendidas, demonstrando as razões pelas quais, ponderando os valores em questão e à luz das peculiaridades do caso concreto, não aplicou princípios colidentes”. (Art. 472, parágrafo único).
Sei que alguém está pronto para me alertar que o projeto também valorizou sobremaneira a jurisprudência do STF e Tribunais Superiores como norteadores das decisões de todos os demais tribunais e juízes singulares do país. É verdade. Assim está disposto, por exemplo, no artigo 847, IV. E daí? Deixe-se claro, no entanto, que a jurisprudência deve “nortear”, ou seja, apontar um rumo, mas a fonte principal da interpretação do processo civil, conforme disposto no artigo 1º, é a Constituição.
Para concluir, quero mais uma vez deixar claro que não tive a intenção de abordar os aspectos essencialmente processuais do projeto, mas ater-me apenas às referências constitucionais. Da mesma forma, não tenho a ilusão de que o problema do acesso à justiça, da morosidade, da burocracia e do formalismo será resolvido apenas com a implantação de um novo Código de Processo Civil, mas ter uma lei processual que estabelece a Constituição como sua fonte principal de interpretação e que permite ao juiz a “operabilidade”, conforme defendeu Miguel Reale com relação ao Código Civil de 2002, de decidir com base na ponderação de princípios, talvez já seja um bom sinal da força dos princípios no projeto elaborado pela Comissão presidida pelo eminente Ministro Luiz Fux.
Salvador, 10 de Junho de 2010