quinta-feira, 20 de maio de 2010

Os farropilhos e a maçonaria


Fato histórico de bastante relevância dentro da Instituição é o que se refere à epopéia da revolução Farroupilha que teve a participação de Maçons. A Revolução Republicana do Rio Grande do Sul, iniciada em 1835, é lembrada, em muitas Lojas Maçônicas. Vem à memória, especialmente a figura do Irm Giuseppe Garibaldi considerado um dos mais populares heróis do mundo. O conceito é alicerçado nos seus ideais maçônicos e na sua trajetória de lutas pela liberdade e pela unificação da Itália. Ferrenho defensor de idéias liberais, anticlerical e mais conhecido como "O Herói de Dois Mundos". Na ordem atingiu o 33º. Foi eleito Grão-Mestre da Maçonaria italiana em 1864. Também foi o primeiro Grão-Mestre geral do Rito de Memphis Misraïm, naquele país. Não obstante, o Irm Garibaldi foi iniciado no Rio de Janeiro, no ano de 1844, na ARLS "Refúgio da Virtude", filiando-se depois, a 28 de agosto do mesmo ano, à Loja "Os amigos da Pátria". Na vida profana foi um político revolucionário nascido, em 1807, em Nice (que à época pertencia à Itália, até o ano de 1860, quando passou para a França definitivamente). Entrando para a marinha da Sardenha, aderiu, em 1833 ao movimento "Jovem Itália", de Mazzini de idéias republicanas. Envolveu-se em uma conspiração frustrada de ataque à Gênova que, descoberta (1834), obrigou-o a fugir para o Brasil e, aqui passou a lutar ao lado dos Farroupilhas em conjunto com grupo de italianos. Entre estes - cerca de 50 - havia carbonários, membros de uma sociedade secreta, segundo alguns, derivada da maçonaria, formada para lutar contra o domínio napoleônico.


Garibaldi Viveu 14 anos na América do Sul Em 1836 recebeu um comando do general Bento Gonçalves, e participou de ataque a Laguna, em Santa Catarina, onde conheceu Ana Maria Ribeiro da Silva, em 1839 que passou à história como a celebre Anita Garibaldi com quem fugiu para Montevidéu em 1840 e que iria acompanhá-lo por toda a sua vida. No Uruguai formou a "Legião Italiana" para lutar contra os Blancos de Rosa. Após esses combates na América do Sul, em junho de 1848 voltou à Itália, formando no Piemonte um grupo de voluntários e o instigou a lutar em favor da unidade italiana, contra os austríacos que pouco depois foi destroçado em Custozza. No ano seguinte lutou pela república romana contra os franceses do Oudinot que sitiavam a Roma republicana e, após a queda de Roma, atravessou com seu exército a Itália Central, de novo contra os austríacos. Auxiliando no comando das tropas da Liga italiana, preparou a insurreição das Marcas e da Úmbria (1859) e exilou-se nos E.U.A., de onde voltou em 1854, para morar na Ilha de Caprera que comprara, perto da Sardenha. Quando, em 1859, estourou a guerra com a Áustria, assumiu o comando da brigada dos "Caçadores dos Alpes", derrotando o inimigo em uma série de batalhas. Em 1860, com Crispi e Bertani, organizou a expedição dos "mil camisas vermelhas" (eram 1.089) para conquistar o Reino de Nápoles. Desembarcou em Marsala, na Sicília, a 11 de maio, quatro dias depois derrotou o exército inimigo em Calarafimi e, em julho, estava dono da ilha. Partindo para o continente, entrou em Nápoles a 7 de setembro e no mês seguinte destruiu o resto das tropas dos Bousbons em Volturno. A 7 de novembro acompanhou Vítor Manuel Nápoles. Voltou à política como deputado em 1861, rompeu com Cavour que cedera Nice à França e, quando marchava sobre Roma, foi aprisionado. Libertou-se graças a um decreto de anistia. Em 1864 foi recebido entusiasticamente em Londres. Quando, em 1866, estourou a guerra contra a Áustria, comandou no Tirol um exército de 35.000 voluntários, vencendo 6 batalhas em 17 dias. retornando à sua casa de Caprera, depois de uma invasão mal sucedida dos Estados Pontifícios em 1867, só voltou a combater na guerra Franco-Prussiana de 1870, quando derrotou os alemães em Chatillon, Autum e Dijon. À frente dos Mil ou Camisas vermelhas, expulsou os Bourbons da Sicília e de Nápoles (1860), depois combateu as tropas pontifícias e francesas de Roma, mas foi vencido em Aspromonte (1862) em Mentana (1867). Em 1870 alistou-se no exército francês. Foi eleito deputado ao Parlamento francês, mas abandonou o mandato e, em 1874 foi eleito deputado por Roma. Um dos maiores mestres na história da estratégia militar revolucionária, Irm Giuseppe Garibaldi morreu em Caprera, no dia 2 de junho de 1882.


Fonte: Samaúma - Poral Maçônico
dez de 2006
Revisado em Set de 2008
Apresentado p/o mano
Elias da Silva Linhares

..e se vai continuar enrustido com essa cara de marido, a moça é capaz de se aborrecer... Por trás de um homem triste há sempre uma mulher feliz...

Chico Buarque.

Para tirar CNH é obrigatório aulas noturnas, vamos ver como vai ser isso.


terça-feira, 18 de maio de 2010


quinta-feira, 13 de maio de 2010

A história do menino mau...


Processo Número1863657-4/2008Autor: Ministério Público EstadualRéu: B.S.SB.S.S é surdo e mudo, tem 21 anos e é conhecido em Coité como “Mudinho.”Quando criança, entrava nas casas alheias para merendar, jogar vídeo-game, para trocar de roupa, para trocar de tênis e, depois de algum tempo, também para levar algum dinheiro ou objeto. Conseguia abrir facilmente qualquer porta, janela, grade, fechadura ou cadeado. Domou os cães mais ferozes, tornando-se amigo deles. Abria também a porta de carros e dormia candidamente em seus bancos. Era motivo de admiração, espanto e medo!O Ministério Público ofereceu dezenas de Representações contra o então adolescente B.S.S. pela prática de “atos infracionais” dos mais diversos. O Promotor de Justiça, Dr. José Vicente, quase o adotou e até o levou para brincar com seus filhos, dando-lhe carinho e afeto, mas não teve condições de cuidar do “Mudinho.”O Judiciário o encaminhou para todos os órgãos e instituições possíveis, ameaçou prender Diretoras de Escolas que não o aceitava, mas também não teve condições de cuidar do “Mudinho.”A comunidade não fez nada por ele.O Município não fez nada por ele.O Estado Brasileiro não fez nada por ele.Hoje, B.S.S tem 21 anos, é maior de idade, e pratica crimes contra o patrimônio dos membros de uma comunidade que não cuidou dele.Foi condenado, na vizinha Comarca de Valente, como “incurso nas sanções do art. 155, caput, por duas vezes, art. 155, § 4º, inciso IV, por duas vezes e no art. 155, § 4º, inciso IV c/c art. 14, inciso II”, a pena de dois anos e quatro meses de reclusão.Por falta de estabelecimento adequado, cumpria pena em regime aberto nesta cidade de Coité.Aqui, sem escolaridade, sem profissão, sem apoio da comunidade, sem família presente, sozinho, às três e meia da manhã, entrou em uma marmoraria e foi preso em flagrante. Por que uma marmoraria?Foi, então, denunciado pelo Ministério Público pela prática do crime previsto no artigo 155, § 4º, incisos II e IV, c/c o artigo 14, II, do Código Penal, ou seja, crime de furto qualificado, cuja pena é de dois a oito anos de reclusão.Foi um crime tentado. Não levou nada.Por intermédio de sua mãe, foi interrogado e disse que “toma remédio controlado e bebeu cachaça oferecida por amigos; que ficou completamente desnorteado e então pulou o muro e entrou no estabelecimento da vítima quando foi surpreendido e preso pela polícia.”Em alegações finais, a ilustre Promotora de Justiça requereu sua condenação “pela pratica do crime de furto qualificado pela escalada.”B.S.S. tem péssimos antecedentes e não é mais primário. Sua ficha, contando os casos da adolescência, tem mais de metro.O que deve fazer um magistrado neste caso? Aplicar a Lei simplesmente? Condenar B.S.S. à pena máxima em regime fechado?O futuro de B.S.S. estava escrito. Se não fosse morto por um “proprietário” ou pela polícia, seria bandido. Todos sabiam e comentavam isso na cidade.Hoje, o Ministério Público quer sua prisão e a cidade espera por isso. Ninguém quer o “Mudinho” solto por aí. Deve ser preso. Precisa ser retirado do seio da sociedade. Levado para a lixeira humana que é a penitenciária. Lá é seu lugar. Infelizmente, a Lei é dura, mas é a Lei!O Juiz, de sua vez, deve ser a “boca da Lei.”Será? O Juiz não faz parte de sua comunidade? Não pensa? Não é um ser humano?De outro lado, será que o Direito é somente a Lei? E a Justiça, o que será?Poderíamos, como já fizeram tantos outros, escrever mais de um livro sobre esses temas.Nesse momento, no entanto, temos que resolver o caso concreto de B.S.S. O que fazer com ele?Nenhuma sã consciência pode afirmar que a solução para B.S.S seja a penitenciária. Sendo como ela é, a penitenciária vai oferecer a B.S.S. tudo o que lhe foi negado na vida: escola, acompanhamento especial, afeto e compreensão? Não. Com certeza, não!É o Juiz entre a cruz e a espada. De um lado, a consciência, a fé cristã, a compreensão do mundo, a utopia da Justiça... Do outro lado, a Lei.Neste caso, prefiro a Justiça à Lei.Assim, B.S.S., apesar da Lei, não vou lhe mandar para a Penitenciária.Também não vou lhe absolver.Vou lhe mandar prestar um serviço à comunidade.Vou mandar que você, pessoalmente, em companhia de Oficial de Justiça desse Juízo e de sua mãe, entregue uma cópia dessa decisão, colhendo o “recebido”, a todos os órgãos públicos dessa cidade – Prefeitura, Câmara e Secretarias Municipais; a todas as associações civis dessa cidade – ONGs, clubes, sindicatos, CDL e maçonaria; a todas as Igrejas dessa cidade, de todas as confissões; ao Delegado de Polícia, ao Comandante da Polícia Militar e ao Presidente do Conselho de Segurança; a todos os órgãos de imprensa dessa cidade e a quem mais você quiser.Aproveite e peça a eles um emprego, uma vaga na escola para adultos e um acompanhamento especial. Depois, apresente ao Juiz a comprovação do cumprimento de sua pena e não roubes mais!


Expeça-se o Alvará de Soltura.

Sem provas

Autos: 000125-12.2010.805.0063
Autor: Ministério Público Estadual
Réus: JRS e outros
Associação para o tráfico e receptação de aparelho celular. Absolvição requerida pelo MP em relação ao primeiro delito ante a fragilidade da prova. Princípio da insignificância e isenção da pena para o crime de receptação. Aplicação do artigo 180, § 5º, do CPP. Absolvição.
O Ministério Público Estadual, por intermédio do Promotor de Justiça em exercício nesta Comarca, ofereceu Denúncia contra JRS, FSA e LCSO, todos qualificados, sob acusação da prática do crime previsto no artigo 180 do Código Penal e artigo 35 da Lei nº 11.343/06 para o primeiro e terceiro denunciados e mesmo artigo da Lei 11.343/06 para o segundo denunciado. Consta ainda da Denúncia que o primeiro denunciado foi abordado quando estava em companhia do segundo denunciado e em seu poder foram encontrados R$ 1.720,00 e mais 04 aparelhos celulares provenientes de furto, bem como ter confessado o primeiro denunciado ser traficante de cocaína e que adquiria a droga em mão do terceiro denunciado, sendo preso em flagrante. Os réus foram citados e ofereceram defesa. (fls. 39 a 42, 73 a 75 e 78 a 79). Em audiência de instrução e julgamento, as testemunhas arroladas foram ouvidas e interrogados os réus (fls. 83 a 102). Em alegações finais, o Promotor de Justiça requereu a absolvição de todos com relação ao crime do artigo 35 da Lei nº 11.343/06 e a condenação do primeiro denunciado pela prática do crime do artigo 180, do Código Penal. Os defensores dos acusados também requereram a absolvição.
É o Relatório. Decido.
Os réus foram denunciados pela prática do crime previsto no artigo 35, da Lei nº 11.343/06, que tem como definição: associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 desta Lei, ou seja, importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, além das condutas previstas no artigo 34 da citada lei.
Da prova colhida em audiência, no entanto, não restou provado que os acusados tivessem violado o núcleo da conduta tipificada no artigo 35, ou seja, associação para o tráfico.
De fato, restou apenas provado que prepostos da Polícia Militar, após terem conduzido o primeiro denunciado à ambiente militar, atenderam ligações telefônicas em seu próprio aparelho celular e ouviram pedidos de entrega de cocaína, prendendo-o em flagrante. Com relação aos demais acusados, de outro lado, não restou provado que tivessem relacionamento entre si e também não foram flagrados em violação a qualquer das condutas, seja do artigo 35 ou dos artigos 33 e 34, da Lei 11.343/06.
Dessa forma, o atendimento das citadas ligações telefônicas, por si só, não faz prova da associação para o tráfico, definição do tipo, apesar de representar indícios fortes da prática de conduta ilícita, o que pode ser objeto de nova investigação policial, dentro das normas atinentes e com respeito às garantias fundamentais.
Por fim, o primeiro acusado confessou ter adquirido dois aparelhos celulares em “feira do rolo” ao preço de R$ 100,00 (em reais) cada um. Nada mais se apurou em relação à ocorrência da prática do crime de receptação e os aparelhos foram devolvidos à vítima, conforme termo de fls. 82. Assim, mesmo na hipótese da presunção definida no artigo 180, § 3º, do Código Penal, sendo o réu primário e de bons antecedentes, há de prevalecer o princípio da insignificância e a aplicação do benefício de isenção da pena previsto no artigo 180, § 5º, do Código Penal.
Isto posto, por tudo o mais que dos autos consta, com fundamento no artigo 386, IV, V e VI, do Código de Processo Penal, JULGO IMPROCEDENTE a Denúncia para absolver os réus da acusação de terem praticado os crimes já descritos.
Expeça-se o Alvará de Soltura.
Devolva-se ao primeiro denunciado, sob recibo, o valor apreendido.
Proceda-se as comunicações de praxe.
Sem custas e sem honorários.
Publique-se. Registre-se. Intime-se.

Direito é filho da história


Sei que causa um choque danado nas pessoas essa história de que a função social da terra é essencial ao próprio conceito de propriedade da terra. Isto significa dizer que não existe propriedade rural a ser protegida, ou mesmo desapropriada, sem o cumprimento de uma função social. Para a mentalidade proprietária burguesa, realmente é um choque:
- Como não ser mais o proprietário e ter meu direito protegido se minha escritura está registrada em cartório? Como não posso expulsar invasores se minha terra é cercada há mais de 20 anos?
Sim, é verdade! Escrituras antigas e amareladas e cercas cercando o nada não bastam mais para garantir a propriedade de imensidões de terra sem cultivo algum. A pós-modernidade exige muito mais do que isso, pois é na terra que são produzidos alimentos para o mundo e é na terra que estão os recursos naturais essenciais à própria sobrevivência da raça humana sobre o planeta. Ao contrário do que pensam os proprietários que ainda guardam escrituras furadas de traças em caixas de sapatos e que apenas renovam suas cercas de ano em ano, a terra não é do homem, mas é o homem que pertence à terra e é quem tem a obrigação de cuidar dela.
Choque maior ainda causa a defesa da idéia de que a ocupação de terras improdutivas - ou mesmo que estejam produzindo em desconformidade com os preceitos constitucionais exigidos para reconhecimento do cumprimento da função social – é ação legítima em busca da concretização do projeto humano sobre o planeta e do projeto constitucional de construção de uma sociedade livre, justa e solidária, fundamentada na cidadania e dignidade da pessoa humana.
Estes choques são resultados da idéia que todos nós temos de que sempre foi assim e que se a lei diz que é verdade, tem que ser verdade. O que pensamos, embora nem sempre saibamos disso, é o que nos ensinou a família, a escola, a igreja, os meios de comunicação e as leis. Então, pensando que temos um pensamento próprio, construímos ‘pré-conceitos’ sobre quase tudo e passamos a defendê-los como verdades definitivas e convenientes. Nem sempre percebemos que ao invés de personagens reais, não passamos de marionetes manipulados pelos Jornais Nacionais da vida. Aliás, que seria de nós ocidentais católicos sem as novelas da tarde, das seis, das sete e das oito? Sem os comerciais da TV? Sem o big brother? Sem futebol aos domingos e sem salão de beleza aos sábados? O problema é que enquanto estávamos cantarolando que queríamos ser uma “metamorfose ambulante”, como pregava o rebelde Raul Seixas, o sistema nos transformava, a todo o momento, em uma “mentalidade imutável”.
De todas as mentalidades, talvez a mentalidade proprietária seja uma das mais fortes que carregamos. Não conseguimos sobreviver sem a idéia da propriedade. Precisamos da propriedade. Precisamos ‘ter’ alguma coisa. Quem não tem, no mundo capitalista, é pobre, sem teto, sem terra, sem emprego e sem dignidade. Então, é imprescindível ter a propriedade de alguma coisa. No mínimo, precisamos ter o conhecimento formal de alguma área das ciências para conseguirmos um emprego. Quem não tem conhecimento não tem emprego e, por conseqüência, não tem propriedade de nada. A lógica capitalista é esta: precisamos ter conhecimento para ter emprego, dinheiro, carro, casa, telefone celular, notebook... nossas propriedades! Nesta lógica, só é importante ‘ser’ se for para ‘ter’!!
Mas nem sempre foi assim. Já houve tempo em que todos ‘eram’ e cada um tinha apenas o necessário para sua própria sobrevivência e de sua família. Não havia necessidade de acumulação de riqueza, da mesma forma que não havia necessidade de acumulação de propriedades. O que se produzia se consumia e o desperdício era algo incompreensível. Logo, só era necessário se produzir o que se iria consumir, pois não havia como conservar o excesso da produção. Assim perdurou até que o dinheiro foi inventado. Agora, o excesso da produção passou a ser vendido e o resultado dessa venda – o dinheiro – passou a ser usado para comprar terras e outros bens. Estava, portanto, justificada a propriedade da terra para além da necessidade da família como sendo o fruto do trabalho humano.
Ora, sendo assim, no início, como definiu o filósofo inglês John Locke, tudo era a América. Por aqui não havia o dinheiro e, consequentemente, não havia necessidade de se acumular nada. Os índios caçavam, pescavam e produziam o que necessitavam para sua própria sobrevivência. A terra significava apenas o local da produção do alimento, principalmente a mandioca. Nada mais. Ninguém precisava mais de terra do que aquela necessária à produção de alimentos para a tribo. Não havia cercas, currais de gado e nem documentos de terra.
Pois bem, assim aconteceu até que o homem civilizado e católico, por acaso ou intencionalmente, achou estas terras brasileiras. Em termos de convivência, aqui também não era o paraíso e é certo e histórico que os Tupinambás eram guerreiros e a guerra era o significado da sua existência. Um Tupinambá era formado para a guerra, independentemente de quem fosse o inimigo. O importante era lutar e depois banquetear, em festiva cerimônia, o guerreiro inimigo aprisionado para adquirir mais força e poder. Os Tupinambás lutavam contra os Tupiniquins, Tupinaés, Tapuias e contra quem mais se colocasse à sua frente, inclusive portugueses. Com estes, a guerra foi desleal e somente no recôncavo baiano, milhares de Tupinambás foram mortos por Álvaro da Costa, filho do governador Duarte da Costa, e por Mem de Sá, terceiro governador geral, sob as bênçãos do bispo Sardinha. Aliás, por ironia da história, o bispo Sardinha, o primeiro do Brasil, será também banqueteado pelos Caetés na Barra de São Miguel, costa do atual Estado de Alagoas. Dizem as más línguas que no local em que o bispo Sardinha foi assado não nasceu mais qualquer erva daninha. A antropologia moderna, no entanto, questiona a veracidade desta comilança do bispo. Ora, se os índios comiam outro guerreiro para adquirir sua força e coragem, por que comeriam um bispo velho, barrigudo e branquelo?
É muito intrigante imaginar que a Igreja considerava pecado andar sem roupas e ter várias mulheres, mas não era pecado escravizar e matar os “gentios” ou escravizar negros africanos. Às vezes fico pensando que Deus deve perder tanto tempo buscando justificativas para perdoar os pecados da Igreja que não sobra tempo, apesar da sua onipotência, para cuidar dos problemas menores dos pobres do mundo. Mas isto não é privilégio de uma época. A história da humanidade é permeada de ações católicas que devem ter “enchido o saco” de Deus. Na inquisição, por exemplo, não sei como Deus não morreu de vergonha da Igreja. Como dizia uma freira amiga, “certos Papas só vão para o céu quando morrem por conta da infinita misericórdia de Deus”.
Voltando ao nosso caso, antes da invenção brasileira baseada na propriedade da terra em grandes proporções para uns poucos, tivemos outras oportunidades para inventar uma nação diferente, baseada na liberdade dos costumes, sem regras morais católicas, sem propriedade privada, sem roupas, sem repressão... certo que os Tupinambás eram guerreiros, mas também era possível conviver com eles, como assim fizeram os franceses por muitos anos.
A primeira oportunidade de invenção de uma nação brasileira baseada na liberdade e no folguedo foi a deserção de dois grumetes da esquadra de Cabral - há quem diga que foram mais de dois - e alguns degredados que por aqui ficaram, deslumbrados com o novo mundo, quando Cabral, depois da primeira missa, seguiu em busca de um caminho para a Índia. Dizem também que alguns Tupiniquins seguiram com a esquadra em direção à Índia e outro embarcou na nau que retornou para Portugal levando a boa nova do “achamento”. Não sei o que aconteceu com o Tupiniquim que foi conhecer a corte, mas há notícias de que os outros morreram em um naufrágio no Cabo das Tormentas, que depois passou a ser chamado de Cabo da Boa Esperança.
Voltando a nossa história, o certo é que ficaram entre os Tupiniquins, em abril de 1500, alguns homens brancos com sua história, cultura e costumes em meio aos índios e índias. Fulerando, folgando, tomando banho de rio, tomando cauim... Pois bem, vamos imaginar que Cabral e outros navegadores da época – Colombo, Vespúcio, Magalhães... – tivessem se deparado com grandes monstros marinhos e abandonado os mares por cinqüenta ou cem anos. Ora, nossos Tupiniquins saberiam da existência de homens brancos que viajavam em grandes barcos e teriam alguns deles em sua companhia, mas continuariam vivendo e evoluindo segundo sua própria lógica e costumes. Pois é, o Brasil bem que poderia ter sido inventado por índios, grumetes desertores e degredados. Todos folgando e tomando cauim... Não deu certo.
Poucos anos depois, por volta de 1510, não se sabe ao certo como, apareceu nas praias de Salvador um náufrago, o português Diogo Álvares, a quem os Tupinambás chamaram de Caramuru, que logo se juntou com a bela índia Paraguaçu. Dizem que Caramuru tinha outras mulheres índias, apesar de sua moral católica, e que teria deixado dezenas de mamelucos no recôncavo baiano. Para Diogo Álvares, era pecado ter mais de uma mulher e andar sem roupas por aí, mas para Caramuru certamente era importante aproveitar da hospitalidade dos Tupinambás. Pois é, o Brasil bem que poderia ter sido inventado por índios Tupinambás, Caramuru, Paraguaçu e sua descendência, sem pecado, sem propriedade e sem dinheiro... Não deu certo.
Além de Caramuru, outro náufrago português viveu com os índios antes da chegada da expedição de Martim Afonso de Sousa, em 1530. Conta a história que João Ramalho teria chegado ao litoral paulista em 1513 e tivera vários filhos com a índia Bartira, filha do cacique Tibiriçá, da tribo dos Guainases. Como era de costume, João Ramalho também deixou dezenas de mamelucos no planalto paulista. Não sei se Caramuru e João Ramalho se conheceram ou se tiveram contatos com os degredados e grumetes de Cabral, mas a conta já é grande de portugueses e mamelucos no Brasil antes do início oficial da ocupação, em 1530. Não é loucura pensar, portanto, que Caramuru e João Ramalho bem que poderiam ter se encontrado para selar a paz entre os Tupinambás e seus inimigos. Neste clima de paz, quem sabe, os índios unidos teriam resistido à ocupação e hoje o Brasil seria um país com dezenas de línguas, culturas diversas, sem nordeste pobre e sudeste rico, com uma vasta mata atlântica, rios limpos... não deu certo também.
Estavam perdidas, portanto, as oportunidades históricas de uma invenção diferente para o Brasil. Nosso destino seria mesmo o ufanismo de Brasil potência e daquela história mais recente: “Brasil, ame-o ou deixe-o”!
O fim dessa história todos nós sabemos. O Brasil foi inventado, dezenas de anos depois do “achamento”, para plantar cana-de-açúcar, criar gado, exterminar os índios selvagens, escravizar negros africanos, explorar o ouro e estabelecer a propriedade privada da terra através de capitanias hereditárias e imensas sesmarias. Poderia ter sido diferente, mas não foi. A história que se conta hoje é a história dos vencedores. A história que se conta é a de Cabral, Martim Afonso, Tomé de Sousa, Duarte da Costa, Mem de Sá, das capitanias e das sesmarias. Índios, degradados, posseiros, negros, pequenas posses de terra e os demais vencidos não tem história para a historiografia, mas ainda podem resgatar um dia a sua própria história.
Tudo isso, por fim, foi para dizer que nem sempre foi assim, que poderia ter sido diferente e que pode ser diferente hoje. A mentalidade proprietária é uma invenção burguesa da mesma forma que também o é a lei criada para proteger esta propriedade. Portanto, isto a que nos apegamos hoje como sendo um direito natural, não passa de uma construção histórica recente, uma invenção, uma criação daqueles que ocuparam as terras e mataram os que aqui já estavam.
Sendo assim, falar em função social da propriedade da terra, em vista da história da invenção brasileira, não é coisa de outro mundo, mas desse mundo brasileiro mesmo. Se já fomos – lá eles – capazes de inventar uma nova forma de relacionamento com a terra, também podemos inventar outra. A história é assim. Vem uma idéia nova e vai uma idéia velha. O novo nasce do velho, que resiste até morrer. Daí, começa tudo de novo... O importante é ter em mente que o presente é diferente do que já ‘foi’ e o que ‘virá’ também será diferente do que ‘é’ e do que já ‘foi’. Isto é inevitável, apesar de uns e outros.
E a lei? Ora, lei vem e lei vai. Para cada tempo há uma lei. Não é a lei que determina o tempo e a história. Ao contrário, a lei é o resultado da superação das contradições da história. Se existe dúvida em relação a quem nasceu primeiro, se o ovo ou a galinha, o mesmo não se pode dizer em relação à lei e a história. A lei é filha da história. Assim sendo, aqueles que lutam fazem a história e os que ficam apenas observando escrevem a lei. Vai ser sempre assim, eu acho...
Voltando ao começo da conversa, eu não entendo como alguém pode ainda pensar, nesta quadra da história, que é o “proprietário” de uma vasta extensão de terra simplesmente por conta de uma escritura registrada em cartório ou por conta de quilômetros de cerca de arame farpado cercando o nada. E o pior: continuam pensando que o Direito existe para proteger sua “propriedade” contra os “não-proprietários”. E o pior de tudo: muitos juízes ainda pensam que é assim mesmo!

O Direito que é, sendo!

É o conflito entre os paradigmas dominantes e emergentes, a descoberta dos obstáculos à superação desta contradição e a ação prática que irão permitir a discussão do Direito como elemento essencial à travessia paradigmática para a pós-modernidade. Dessa forma, é um Direito que se constrói, com inconformismo e indignação, sobre velhos conceitos e velhas estruturas, cotidianamente. É o direito que “é, sendo”!No campo jurídico, segundo Antônio Carlos Wolkmer[2], podemos conceituar a teoria jurídica crítica “como a formulação teórico-prática que se revela sob a forma do exercício reflexivo capaz de questionar e de romper com o que está disciplinarmente ordenado e oficialmente consagrado (no conhecimento, no discurso e no comportamento) em dada formação social e a possibilidade de conceber e operacionalizar outras formas diferenciadas, não repressivas e emancipadoras, de prática jurídica.”Considerações genéricas sempre cometem pecados. Deve-se ressaltar, portanto, que a crítica proposta leva em consideração a existência de experiências novas em setores do Poder Judiciário, da Magistratura, da Advocacia e das Faculdades de Direito.2 – O PODER JUDICIÁRIOPesquisas de opinião pública, quase sempre, apontam o Poder Judiciário como sendo moroso e ineficiente. Além disso, é gritante o desaparelhamento do Judiciário e inadequação de sua estrutura para a demanda da população.Em setembro/2007, a AMB – Associação dos Magistrados Brasileiros divulgou pesquisa[3] sobre “A IMAGEM DAS INSTITUIÇÕES PÚBLICAS BRASILEIRAS” e alguns detalhes chamam a atenção. No item referente à confiança nas instituições, 75,5% dos entrevistados confiam na Polícia Federal e 74,7% nas Forças Armadas. São os campeões da confiança. Enquanto isso, apenas 11,1% confiam nos políticos, 45,5% depositam confiança nos juízes, 41,8% no Poder Judiciário, mas 71,8% acreditam nos Juizados Especiais.O outro lado da pesquisa confirma que 44,1% da população não confiam nos juízes e 50,0% não confiam no Poder Judiciário, ou seja, trabalhamos com a certeza de que metade da população pesquisada, com margem de erro de 2,2%, não confia no Poder Judiciário.Assim, mais vale a Polícia Federal, de longe, do que as instituições do Poder Judiciário, salvo o Juizado, que é confiável quase que no mesmo patamar dos órgãos policiais e militares.Também o excesso de formalismo é postura criticada pela população, a demonstração de força contra os menores e complacência em relação aos maiores: pequenos delitos são exemplarmente punidos enquanto os grandes desvios do dinheiro público resultam em processos que se arrastam lentamente pelos tribunais.Por fim, a falta de democracia e transparência na administração dos tribunais é algo inadmissível para os tempos atuais. [4]2.1. O PAPEL DOS JUIZADOSPor que os Juizados Especiais recebem tratamento diferenciado da população?A resposta é simples: primeiro, pela facilidade de acesso, pois nas causas até 20 salários mínimos não é obrigatória a presença de advogado e também pela isenção dos serviços prestados pelos juizados.Segundo, apesar de cada dia mais demandados, os Juizados ainda são alternativa interessante à Justiça comum no que diz respeito ao tempo do processo para solução da demanda.Terceiro, é no Juizado que estão sendo demandados os direitos elementares do cidadão brasileiro: abertura de vagas nas escolas, garantia de matrícula de inadimplentes, concessão de medicamento aos necessitados, redução de juros, imposição de novas coberturas aos planos de saúde, a defesa do consumidor, etc.Assim, qualquer mudança de avaliação do desempenho do poder judiciário irá passar, necessariamente, pelo reconhecimento do Juizado como local de realização da Justiça, sem formalismo e com a celeridade necessária. Muito sintomático, portanto, quando se defende a ampliação da competência dos Juizados e quando se instala Juizados nos grandes aeroportos do país.3 – MAGISTRADOS3.1. Magistrado é autoridade ou agente político do Estado?Em 20 de novembro de 2007, respondendo negativamente à consulta sobre o pagamento de indenização por motivo de participação em plantão noturno por parte de Desembargadores, o CNJ – Conselho Nacional de Justiça assim decidiu:“Observo que alguns integrantes da carreira da magistratura por vezes se defrontam com o dilema de ser ou não ser funcionários públicos, pois às vezes lhe são exigidas obrigações diferentes dos integrantes de outros ramos do serviço público e outras vezes não são reconhecidos direitos atribuídos aos demais servidores....................................Assim, os magistrados têm direito a três prerrogativas que são fundamentais para o bom exercício da jurisdição, que são a inamovibilidade, a irredutibilidade de vencimentos e a vitaliciedade.Tais garantias, que são os predicamentos da magistratura, já colocam que se é evidente que os magistrados são trabalhadores do serviço público, em sentido lato, por outro lado sinaliza que não são trabalhadores comuns, mas sim estão situados em outro patamar, como agentes políticos do Estado...............................................É como voto.”Brasília, 20 de novembro de 2007.Conselheiro JORGE ANTONIO MAURIQUE, RelatorSem plena consciência dessa condição de agente político, os magistrados se comportam, salvo exceções na forma em que comentamos na introdução, como autoridades onipotentes. Pode prender e mandar soltar por sua própria vontade e não por que o ordenamento jurídico justifica.Apesar de não existir previsão legal, reina entre os magistrados um sentimento de hierarquia: juiz substituto, juízes de instância inferior, desembargadores e ministros de tribunais. Abaixo ainda dos juízes substitutos estariam os membros do Ministério Público, Delegados de Polícia, agentes, policiais, etc. Nesta hipotética hierarquia, os Juízes Federais se colocam em patamar superior: não são Juízes de Direito, mas Juízes Federais.A linguagem do magistrado é extremamente prolixa, recheada de brocardos latinos, tornando a linguagem uma forma de demonstração do saber e poder.Por fim, alguns magistrados agem de forma absolutamente prepotente em relação aos seus jurisdicionados: Juiz que deixa de realizar audiência por conta do tipo de calçado da parte, Juíza que se acha um ser superior aos demais, Juiz que exige o tratamento de Doutor, etc.Não há formação regular e nem mesmo um tipo de formação continuada, como em outros países da Europa. Na Alemanha, por exemplo, a qualquer inovação legislativa, os magistrados são submetidos a cursos de formação para aplicação da nova Lei.[5]Diante disso, para alguns juízes o Direito é a lei, o processo ainda não é visto como um instrumento para realização da Justiça, mas uma sucessão de atos extremamente formais e o que não está no processo não está no mundo, pois “dura lex, sede lex” e “pacta sunt servanda.”Em 2006, a AMB – Associação dos Magistrados Brasileiros realizou pesquisa[6] com seus associados, coordenada pela professora Maria Tereza Sadek, da USP, sobre variados temas e também algumas respostas chamam a atenção.Por exemplo, 56% dos entrevistados concordam inteiramente ou em parte que a legislação trabalhista “impede o crescimento do emprego formal” e, para 46,3%, a legislação trabalhista causa “impacto negativo no desenvolvimento do país”. Assim, para este horizonte de magistrados, a lei protege “demais” e termina causando problemas ao emprego formal e crescimento do país, deixando de se cogitar a relação trabalhista inserida na sociedade de consumo onde prevalece o lucro e a acumulação de riqueza.Em aparente contradição, em torno de 46% dos magistrados defendem a ampliação da competência da Justiça para questões trabalhistas referente ao funcionalismo público, crimes praticados nas relações de trabalho e na tramitação do processo. Quer dizer, portanto, que mesmo discordando da legislação trabalhista, pretendem ampliar sua competência.Com relação à formação, 47,9% defendem que o mestrado acadêmico contribui pouco ou nada para o exercício da função de Juiz. Assim, considerando a margem de erro, pode-se afirmar que praticamente metade dos Juízes não dá importância ao mestrado acadêmico.[7]Por fim, com relação ao crime, 61% é favorável ou totalmente favorável à redução da maioridade penal; 75% defendem o aumento do tempo da internação de menores infratores; 89,3% defendem o aumento do cumprimento de pena para obtenção de progressão de regime e 81% defendem o aumento do cumprimento de pena para obtenção da liberdade condicional.Essas respostas em patamar tão elevado refletem, no nosso entender, que se o sistema prisional não está cumprindo o papel de re-socializar, a solução para os magistrados é que o infrator permaneça simplesmente preso. Como se diz comumente, é jogar o lixo para baixo do tapete!Diferente desses, não se pode esquecer a existência de magistrados dignos, estudiosos, comprometidos com a ética e com a Justiça, além de Associações de Magistrados que buscam o mesmo fim, como a AJD – Associação de Juízes para a Democracia.4 – ADVOGADOSTambém os advogados não estão imunes à críticas.São vistos pela população como profissionais espertos, que conseguem provar o improvável e faltosos com a ética.São também vítimas da formação ineficiente das faculdades de direito.Muitas vezes são sujeitos ativos, sob a justificativa da inevitabilidade, na corrupção de servidores do Poder Judiciário, ao invés de denunciarem a prática do ato criminoso.Desleixados com o conhecimento, simplesmente “copiam” e “colam” petições encontradas em manuais e sites da internet.Não se pode deixar de reconhecer a existência de escritórios sérios e movimentos de advogados comprometidos com a ética e construção de um novo Direito. São poucos, mas combativos, como os membros da RENAP – Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares e da AATR - Ba – Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais, dentre outros.5 – O ENSINO JURÍDICOEm poucos anos, houve uma verdadeira proliferação dos cursos de direito no país. São centenas de bacharéis em Direito saídos das faculdades todos os anos. O Brasil é o país com o maior número de faculdades de Direito do Mundo. Somos o país dos bacharéis!Aliado à falta de compromisso social, parece que Paulo Freire ainda tem razão com relação à “educação bancária.” Professores depositam conhecimento em alunos, ou simplesmente distribuem apostilas, cujo conhecimento é depois cobrado através da tradicional e temível “prova.” Há um certo descaso em relação ao tripé: ensino, pesquisa e extensão. Prevalece, na maioria dos casos, o paradigma jurídico-dogmático.A obrigação da monografia no final do curso é importante, mas a indústria de monografias na Internet desafia os professores que orientam alunos em conclusão de curso.A aprovação em exame de ordem, em várias faculdades, é de menos de 10%.Evidente que existem professores e faculdades preocupadas com a formação de seus alunos e que desenvolvem projetos de pesquisa e extensão voltados para a compreensão da realidade social e com a formação de advogados éticos e cidadãos.“O Exame de Ordem mostra que a maior parte dos bacharéis em Direito tem o diploma na mão, mas não está apta a trabalhar como advogado. Os índices de aprovação são baixíssimos. No último exame unificado, o estado que mais aprovou foi o Ceará, onde 45% dos bacharéis se tornarão advogados. Em São Paulo, o índice de aprovação na última prova foi de apenas 16%.”[8]Discute-se, entretanto, se o formato atual do chamado “exame de ordem” realmente mensura a capacidade do estudante em se tornar advogado. Muito sintomática a proliferação de “cursinhos” para realização de exame de ordem, levando à constatação que o ensino normal da faculdade não foi suficiente ao aprendizado positivista e dogmático necessário à prática da advocacia, ou seja, a prática “bancária” não foi o bastante na Faculdade e, por isso mesmo, há necessidade de um reforço nos depósitos de conhecimentos. (ou depósitos bancários nas contas correntes dos proprietários de tais “cursinhos”?)Há que se pensar, urgentemente, a validade dos atuais “exame de ordem” como capazes de mensurar a capacidade do estudante de direito tornar-se advogado.Em seu site, a Faculdade Ruy Barbosa (Salvador, Bahia) informa um índice de aprovação de 70%! Além disso, a Faculdade Ruy Barbosa tem demonstrado interessante protagonismo em relação ao tripé ensino/ pesquisa/ extensão, conforme se depreende das linhas de pesquisa desenvolvidas por seus estudantes, bem como em relação ao caráter multidisciplinar de seu projeto pedagógico.[9]6 – NOVOS PARADIGMAS Esta é a crise que temos o privilégio de vivenciar.Como dizem os jovens: “adrenalina pura!”Feito o diagnóstico, podemos considerar que fazemos parte de uma geração privilegiada, pois vivendo exatamente o momento da crise que poderá/deverá resultar na construção de novos paradigmas para a ciência do direito, enquanto ciência social.É, ao mesmo tempo, privilégio e responsabilidade.Somos a geração da CF de 1988, que define como princípio fundamental da República a dignidade da pessoa humana e como objetivo da República a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.Somos a geração da criação dos micro-sistemas (CDC, ECA, Estatuto do Idoso, Estatuto da Família, etc), do novo Código Civil, cujas diretrizes, nas palavras de Miguel Reale, é a eticidade, operabilidade e socialidade.Somos a geração que, no diálogo das fontes, sem dogmatismos, na multi-disciplinariedade, está construído o direito que virá, de justiça social, de superação da contradição entre igualdade jurídico-formal e desigualdade sócio-econômica.Somos, por fim, convidados à esta travessia, à este desafio em busca de um Direito de Libertação.[10]* Juiz de Direito da Comarca de Conceição do Coité – Ba.www.amab.com.br/gerivaldoneivagerivaldo_neiva@yahoo.com.br[1] SANTOS, Boaventura Sousa. A Crítica da Razão Indolente: conta o desperdício da experiência. 6ª ed. São Paulo: Cortez, 2007. p.16.[2] WOLKMER, Antônio Carlos. Introdução ao pensamento Jurídico Crítico. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 18.[3] Disponível em http://www.amb.com.br/portal/?secao=pesquisas > acesso em 27.11.2007[4] Boaventura Sousa Santos discute este tema em seu livro mais recente lançado pela Editora Cortez (SANTOS, Boaventura Sousa. Para uma Revolução Democrática da Justiça. São Paulo: Cortez, 2007), que é uma edição revista e ampliada da palestra proferida em 06 de junho de 2007, em Brasília, a convite do Ministério da Justiça. Na palestra proferida em Brasília, Boaventura é enfático logo na introdução: “a revolução democrática do direito e da justiça só faz verdadeiramente sentido no âmbito de uma revolução democrática mais ampla que inclua a democratização do Estado e da sociedade.” Esta revolução passaria pelos seguintes vetores:a) profundas reformas processuais;b) novos mecanismos e novos protagonismos no acesso ao direito e à justiça;c) nova organização e gestão judiciárias;d) revolução na formação de magistrados desde as Faculdades de Direito até à formação permanente;e) novas concepções de independência judicial;f) uma relação de poder judicial mais transparente com o poder público e a media (imprensa), e mais densa com os movimentos e organizações sociais;g) uma cultura jurídica democrática e não corporativa.[5] SANTOS, Boaventura Sousa. Para uma Revolução da Justiça. São Paulo: Cortez, 1007. p. 66[6] Disponível em http://www.amb.com.br/portal/?secao=pesquisas >acesso em 27.11.2007[7]Ao abordar o tema da formação dos magistrados, Boaventura Sousa Santos (op. cit. p. 68) elenca os “sete pecados” desta cultura normativista e técnico-burocrática da atualidade:1) prioridade do Direito Civil e Penal;2) cultura generalista de que o magistrado, por ser magistrado, tem competência para resolver todos os litígios;3) desresponsabilização sistêmica perante os maus resultados do desempenho do sistema judicial, manifestada através de três sintomas: o problema é sempre dos outros, da outra instância; desempenhos distintos dentro do mesmo Tribunal e baixíssimo nível de ação disciplinar efetiva;4) o privilégio do poder junto à justiça, traduzido no medo de julgar os poderosos, de investigar e tratar os poderosos como cidadãos comuns;5) refúgio burocrático: gestão burocrática dos processos, privilegiando a circulação à decisão; preferência por decisões processuais em detrimento de decisões substantivas e aversão a medidas alternativas;6) distância da sociedade: o magistrado conhece o direito e sua relação com os autos, mas não conhece a relação dos autos com a realidade, tornando-se presa facial da cultura dominante. Pensa que está julgando com isenção, mas está julgando de acordo com os ideais da classe política dirigente;7) confundir independência com individualismo auto-suficiente, que não permite aprender com outros saberes.Especificamente em relação às escolas da magistratura, Boaventura observa que ainda prevalece a idéia de que o magistrado que se forma na Faculdade de Direito está formado para toda a vida, o que é um erro. A formação da faculdade é genérica e deve ser complementada com formações especializadas e interdisciplinares.[8] http://conjur.estadao.com.br/static/text/61632,1 acesso em 28.11.2007[9] ARAÚJO, Cloves Santos; CAPISTRANO, Jaíra; ANDRADE, Raimundo. A prática jurídica, a pesquisa e o acesso á justiça: As experiências do Curso de Direito da Faculdade Ruy Barbosa. Salvador: texto impresso, 2007.[10]EM BUSCA DE UM DIREITO DA LIBERTAÇÃO (HERKENHOFF, João Batista. Como Aplicar o Direito. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p 136.)“Há um desafio para juízes e juristas em geral que se queiram colocar ao lado das maiorias oprimidas, como colaboradores do projeto histórico das classes populares.Como fruto desta aliança, delineia-se um novo papel no qual se verá:- juízes e juristas aceitando a provocação de uma nova leitura da lei, de uma desmistificação de seu pretenso papel de harmonia social numa sociedade desarmônica e visceralmente opressora;- juízes e juristas recusando a suposta neutralidade da lei e de seus agentes, neutralidade que cimenta e agrava as injustiças estabelecidas;- juízes e juristas comprometidos com o futuro, não com o passado; com a busca apaixonada da Justiça, não com as cômodas abdicações; com a construção de um mundo novo, não com a defesa de estruturas que devem ser sepultadas;- juízes e juristas atentos aos gemidos dos pobres, insones ante o sofrimento das multidões marginalizadas;- juízes e juristas que morram de dores que não são suas, profetas da Esperança, bem-aventurados por terem fome e sede de Justiça;- juízes e juristas que nunca lavem as mãos, em tributo à omissão, mas que desçam ao povo, que sejam povo;- juízes e juristas, operários do canto; crentes da utopia que a força do povo constrói;- juízes e juristas que se recusem a colocar amarras, impedir vôos, compactuar com maquinações opressivas;- juízes e juristas que abram as janelas ao Amanhã e construam, sem se deter ante martírios que lhes impuserem, o Direito da Libertação.”


Autos: 000000000
Autor: Ministério Púbico
Réu: xxxxxxxxxxxx
Estupro e atentado violento ao pudor. Conflito entre o depoimento de uma das vítimas e a prova pericial. Aplicação do princípio “in dubio pro reo”. Segunda vítima menor de 14 anos à época. Aplicação do artigo 217-A, do Código Penal. Presunção de inocência. Art. 5º, LVII, da Constituição Federal. Réu primário, bons antecedentes, atividade profissional e endereço certo. Ausentes os pressupostos para a prisão cautelar. Apelo em liberdade. Possibilidade admitida pelo STF.
O Ministério Público da Bahia, por intermédio do Promotor de Justiça em exercício nesta Comarca, ofereceu DENÚNCIA contra xxxxxxxxxxx, qualificado nos autos, sob acusação da prática dos crimes previstos nos artigos 213, 214 c/c art. 71, todos c/c artigo 224, alíneas a e c, todos do Código Penal, em relação à vítima A, e art. 214 c/c o artigo 71, todos c/c o artigo 224, alíneas a e c, todos co Código Penal, em relação às vítimas B e C. Consta da Denúncia que o acusado teria se aproximado da vítima A e a levou para um galpão na Rua D, nesta cidade, onde manteve conjunção carnal e a desvirginou, praticando por várias vezes o mesmo ato em outras ocasiões; que em seguida também se aproximou das vítimas B e C, com as quais manteve coito anal por diversas vezes. Defesa prévia às fls. 47 a 50. Laudos periciais às fls. 53 a 58. Em audiência de instrução e julgamento, foram ouvidas as vítimas e testemunhas (fls. 65 a 79. Em alegações finais, o Promotor de Justiça requereu a condenação do réu nos termos da Denúncia. De sua vez, a defesa, em alegações finais, requereu a absolvição do réu.
Brevemente relatado, passo a decidir.
I – As provas
O acusado confessou que manteve relação sexual consentida com a vítima A por várias vezes, negando a prática do ato com as demais vítimas (fls. 67).
De sua vez, a vítima A relatou que manteve relações com o réu, mas sem o seu consentimento e sob ameaças. As demais vítimas relataram que fizeram sexo anal e oral com o réu, também sob ameaças.
As testemunhas nada acrescentaram além de informações sobre o comportamento do réu.
A prova pericial, consistente nos laudos de fls. 53 a 58, com relação às vítimas B e C, constatou a existência de “hímen normal íntegro e ânus sem escoriações.” De outro lado, com relação à vítima A, constatou-se a ocorrência da gravidez e ânus sem escoriações.
II – Os conflitos
Há que se resolver, portanto, dois conflitos: (i) o depoimento pessoal de B e C em confronto com a prova pericial e (ii) a contradição entre os depoimentos do réu e da vítima com relação ao consentimento. Antes disso, com relação à vítima A, há que resolver acerca da possibilidade do consentimento em face da idade da vítima à época dos fatos.
Vamos lá.
a) Supremacia do depoimento pessoal ou, na dúvida, favorecer o réu?
Desde há muito, os Tribunais tem entendido que em casos de crime contra a liberdade sexual deve-se valorar sobremaneira o depoimento da vítima, pois o crime quase sempre não é presenciado e a vítima, portanto, não teria interesse em depor contra sua própria reputação.
Neste caso, no entanto, a prova pericial não comprovou a ocorrência do desvirginamento ou qualquer tipo de lesão no ânus das vítimas B e C. Evidente que a prova pericial não poderia constatar outros tipos de atentado violento ao pudor, a exemplo do sexo oral.
Pois bem, como resolver, então, o conflito entre a informação das vítimas e a prova pericial?
Neste caso, em face do princípio da presunção da inocência e do princípio “in dubio pro reo”, reforçados pela prova pericial, entendo que a dúvida favorece ao réu e não há como lhe imputar o fato do cometimento de atentado violento ao pudor – sexo anal – contra as vítimas B e C.
Por fim, sem evidência da prova pericial do desvirginamento e do sexo anal, também há como se admitir a prática de outros tipos de atentado violento ao pudor apenas com base nos depoimentos das vítimas.
Sendo assim, em face da dúvida e dos princípios da presunção da inocência e do “in dubio pro reo”, a possibilidade de solução do conflito entre as provas colhidas, a meu ver, deverá ser pelo acolhimento da prova pericial em detrimento dos depoimentos das vítimas.
b) Consentimento da vítima ou presunção da violência?
De outro lado, com relação ao segundo conflito, envolvendo os depoimentos da vítima A e do réu, ressalte-se, de início, que a vítima A conta atualmente com 14 anos e a primeira relação sexual com o réu teria ocorrido quando contava ainda com 13 anos de idade. Na verdade, a vítima A, apesar da pouca idade, demonstrou conhecimento e amadurecimento sobre questões relacionadas ao sexo, mas em determinados momentos demonstrou que se rendeu ao réu por medo ou por dinheiro, dada sua condição social.
Neste caso, em que pese o nível de conhecimento demonstrado pela vítima quando ouvida por este juízo, presume-se a violência, conforme disposto no artigo 224, a, do CP, à época do crime. Mais que isso, a conduta do réu em oferecer dinheiro e vantagens à vítima, aproveitando-se da sua condição social, também merece reprovação e repúdio.
Tem-se, portanto, considerando-se apenas a legislação vigente à época do fato, que o réu teria cometido, sem dúvidas, os crimes previstos nos artigos 213 e 214, c/c 224, do Código Penal, ou seja, estupro e atentado violento ao pudor com presunção de violência.
III – Conclusão
A Lei nº 12.015/09 estabeleceu novos conceitos para os crimes contra a liberdade sexual, dando nova redação ao artigo 213 e revogando o artigo 224, do Código Penal. Em contrapartida, criou o artigo 217-A para agrupar a conjunção carnal e o ato libidinoso na mesma figura, ou seja, o estupro de vulnerável. (Art. 217 – A - Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos.)
Ora, dispõe o artigo 5º, XL, da Constituição Federal, que a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.
Neste caso, afastada a acusação da prática de crimes sexuais contra as vítimas B e C, torna-se mais benéfico ao réu, sem dúvidas, a capitulação na única figura do artigo 217-A com relação a vítima A. Caso contrário, poderia ser incurso nos crimes de estupro e de atentado violento ao pudor com presunção de violência em face da idade da vítima, conforme redação antiga dos artigos 213, 214 e 224, do Código Penal.
IV – O julgamento
Isto posto, por tudo o mais que dos autos consta JULGO PROCEDENTE, em parte, a Denúncia para condenar o réu xxxxxxxxxx como incurso nas penas do artigo 217-A, do Código Penal Brasileiro em que figura como vítima A.
Em consequência, pelos motivos já expendidos, diante da contradição entre o depoimento pessoal das vítimas e o laudo pericial, em face do princípio da presunção da inocência e do “in dubio por reo”, ABSOLVO o acusado da prática dos crimes que lhe foram imputados com relação às vítimas B e C.
Passo, portanto a dosar a pena.
O réu é primário, nunca delinquiu, tem bom comportamento social, atividade profissional, endereço certo e não se pode dizer, portanto, que tenha personalidade voltada para o crime. As circunstâncias e conseqüências são compatíveis com o tipo, apesar do estado de gravidez, cuja paternidade deverá ser esclarecida com o exame de DNA ou reconhecimento espontâneo pelo réu.
Fixo a pena base, portanto, em 08 (oito) anos de reclusão, que torno definitiva na falta de causas de aumento ou diminuição, atenuantes ou agravantes.
A pena terá regime inicial semi-aberto e será cumprida na Colônia Penal de Simões Filho-Ba., conforme disposto no Provimento 08/2008, da Corregedoria Geral da Justiça.
V – O apelo em Liberdade
O réu foi preso em flagrante no dia 21 de abril de 2009 e nesta condição se encontra até a presente data, justificando-se o lapso entre a prisão e o julgamento (mais de 04 meses) em face da inexistência de Juiz titular da Vara Crime desta Comarca, que sequer foi instalada depois de assim previsto na Lei Estadual nº 10.845, de 27 de novembro de 2007. Absurdamente, portanto, esta Comarca de Conceição do Coité – Ba., de entrância intermediária, funciona (?) com um Juiz em jurisdição plena!
Pois bem, em julgamento recente, o Supremo Tribunal Federal aplicou com vigor a principiologia constitucional em relação à presunção da inocência prevista no artigo 5º, LVII, da Constituição Federal, ao decidir que o postulado constitucional da presunção de inocência impede que o Estado trate, como se culpado fosse, aquele que ainda não sofreu condenação penal irrecorrível.
Neste sentido, conforme o entendimento do STF, somente a prisão cautelar, devidamente justificada e por absoluta necessidade, poderá justificar a segregação do acusado antes do trânsito em julgado definitivo da sentença condenatória. De outro lado, também tem entendido o Supremo Tribunal Federal que a prisão preventiva não pode ser utilizada como instrumento de punição antecipada e, mais ainda, que o clamor público, a gravidade em abstrato do crime ou o resguardo da credibilidade da Justiça, por si só, também não justificam a prisão cautelar.
"HABEAS CORPUS" - PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA COM FUNDAMENTO NA GRAVIDADE OBJETIVA DO DELITO, NO CLAMOR PÚBLICO, NA SUPOSTA OFENSA À CREDIBILIDADE DAS INSTITUIÇÕES E NA CONJECTURA DE QUE A PRISÃO CAUTELAR SE JUSTIFICA PARA CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL - CARÁTER EXTRAORDINÁRIO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE INDIVIDUAL - UTILIZAÇÃO, PELO MAGISTRADO, NA DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA, DE CRITÉRIOS INCOMPATÍVEIS COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - SITUAÇÃO DE INJUSTO CONSTRANGIMENTO CONFIGURADA - AFASTAMENTO, EM CARÁTER EXCEPCIONAL, NO CASO CONCRETO, DA INCIDÊNCIA DA SÚMULA 691/STF - "HABEAS CORPUS" CONCEDIDO DE OFÍCIO. A PRISÃO CAUTELAR CONSTITUI MEDIDA CAUTELAR DE NATUREZA EXCEPCIONAL. - A privação cautelar da liberdade individual reveste-se de caráter excepcional, somente devendo ser decretada em situações de absoluta necessidade. A prisão preventiva, para legitimar-se em face de nosso sistema jurídico, impõe - além da satisfação dos pressupostos a que se refere o art. 312 do CPP (prova da existência material do crime e presença de indícios suficientes de autoria) - que se evidenciem, com fundamento em base empírica idônea, razões justificadoras da imprescindibilidade dessa extraordinária medida cautelar de privação da liberdade do indiciado ou do réu. - A questão da decretabilidade da prisão cautelar. Possibilidade excepcional, desde que satisfeitos os requisitos mencionados no art. 312 do CPP. Necessidade da verificação concreta, em cada caso, da imprescindibilidade da adoção dessa medida extraordinária. Precedentes. A PRISÃO PREVENTIVA - ENQUANTO MEDIDA DE NATUREZA CAUTELAR - NÃO PODE SER UTILIZADA COMO INSTRUMENTO DE PUNIÇÃO ANTECIPADA DO INDICIADO OU DO RÉU. - A prisão preventiva não pode - e não deve - ser utilizada, pelo Poder Público, com o instrumento de punição antecipada daquele a quem se imputou a prática do delito, pois, no sistema jurídico brasileiro, fundado em bases democráticas, prevalece o princípio da liberdade, incompatível com punições sem processo e inconciliável com condenações sem defesa prévia. A prisão preventiva - que não deve ser confundida com a prisão penal - não objetiva infligir punição àquele que sofre a sua decretação, mas destina-se, considerada a função cautelar que lhe é inerente, a atuar em benefício da atividade estatal desenvolvida no processo penal. A GRAVIDADE EM ABSTRATO DO CRIME NÃO CONSTITUI FATOR DE LEGITIMAÇÃO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE. - A natureza da infração penal não constitui, só por si, fundamento justificador da decretação da prisão cautelar daquele que sofre a persecução criminal instaurada pelo Estado. Precedentes. O CLAMOR PÚBLICO NÃO BASTA PARA JUSTIFICAR A DECRETAÇÃO DA PRISÃO CAUTELAR. - O estado de comoção social e de eventual indignação popular, motivado pela repercussão da prática da infração penal, não pode justificar, só por si, a decretação da prisão cautelar do suposto autor do comportamento delituoso, sob pena de completa e grave aniquilação do postulado fundamental da liberdade. - O clamor público - precisamente por não constituir causa legal de justificação da prisão processual (CPP, art. 312) - não se qualifica como fator de legitimação da privação cautelar da liberdade do indiciado ou do réu. Precedentes. A PRESERVAÇÃO DA CREDIBILIDADE DAS INSTITUIÇÕES NÃO SE QUALIFICA, SÓ POR SI, COMO FUNDAMENTO AUTORIZADOR DA PRISÃO CAUTELAR. - Não se reveste de idoneidade jurídica, para efeito de justificação do ato excepcional da prisão cautelar, a alegação de que a prisão é necessária para resguardar a "credibilidade da Justiça". AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO, NO CASO, DA NECESSIDADE CONCRETA DE DECRETAR-SE A PRISÃO PREVENTIVA DO PACIENTE. - Sem que se caracterize situação de real necessidade, não se legitima a privação cautelar da liberdade individual do indiciado ou do réu. Ausentes razões de necessidade, revela-se incabível, ante a sua excepcionalidade, a decretação ou a subsistência da prisão preventiva. O POSTULADO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA IMPEDE QUE O ESTADO TRATE, COMO SE CULPADO FOSSE, AQUELE QUE AINDA NÃO SOFREU CONDENAÇÃO PENAL IRRECORRÍVEL. - A prerrogativa jurídica da liberdade - que possui extração constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV) - não pode ser ofendida por interpretações doutrinárias ou jurisprudenciais, que, fundadas em preocupante discurso de conteúdo autoritário, culminam por consagrar, paradoxalmente, em detrimento de direitos e garantias fundamentais proclamados pela Constituição da República, a ideologia da lei e da ordem. Mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta prática de crime hediondo, e até que sobrevenha sentença penal condenatória irrecorrível, não se revela possível - por efeito de insuperável vedação constitucional (CF, art. 5º, LVII) - presumir-lhe a culpabilidade. Ninguém pode ser tratado como culpado, qualquer que seja a natureza do ilícito penal cuja prática lhe tenha sido atribuída, sem que exista, a esse respeito, decisão judicial condenatória transitada em julgado. O princípio constitucional da presunção de inocência, em nosso sistema jurídico, consagra, além de outras relevantes conseqüências, uma regra de tratamento que impede o Poder Público de agir e de se comportar, em relação ao suspeito, ao indiciado, ao denunciado ou ao réu, como se estes já houvessem sido condenados, definitivamente, por sentença do Poder Judiciário. Precedentes.
HC 96095 / SP - SÃO PAULO - HABEAS CORPUS - Pcte: Jeremias Venâncio Domingues - Relator: Min. CELSO DE MELLO - Julgamento: 03/02/2009 - Órgão Julgador: Segunda Turma – Publicação: 13.03.2009
Sendo assim, afastada a justificativa da prisão preventiva pelo clamor público, pela gravidade em abstrato do crime ou para resguardar a credibilidade da Justiça, restariam as hipóteses do artigo 312, do Código de Processo Penal, ou seja, como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal.
Ora, encerrada a instrução e condenado o réu, não há como se cogitar das hipóteses da conveniência da instrução criminal e aplicação da lei penal. Da mesma forma, em face do tipo penal, não há que se falar em garantia da ordem econômica e, por fim, restou provado que o réu não representa uma ameaça à ordem pública desta cidade.
Considerando, por fim, que não subsistem motivos para decretação da prisão cautelar do réu e considerando que é primário, tem bons antecedentes, atividade profissional definida e endereço certo, determino que se expeça o Alvará de Soltura para que apele em liberdade.
Aguarde-se, portanto, o trânsito em julgado definitivo da sentença para adoção das providências necessárias ao cumprimento da pena.
Custas, em havendo, pelo condenado.
Publique-se. Registre-se. Intime-se.
Conceição do Coité, 03 de setembro de 2009
Bel. Gerivaldo Alves Neiva
Juiz de Direito

Que uma das primeiras prisões brasileiras, a Cadeia Velha, no Rio de Janeiro, tinha capacidade para 150 presos, mas comportava 253 em 1764?
Que o então vice-governador escreveu carta ao Rei pedindo dinheiro para aumentar a prisão ou então “que não se prendam os que delinquirem aqui em diante por não haver onde se recolham”?
Que em 1767, o viajante inglês John Luccok escreveu que a Cadeia Velha parecia jaula de animais ferozes e os presos também pareciam animais?
Que “roda-de-pau” era o nome dado às surras que os carcereiros davam nos detentos?
Que o governo não se responsabilizava pela alimentação dos presos?
Que a Santa Casa de Misericórdia cuidava dos presos, fornecia remédios e advogados?
Que os presos pobres e de bom comportamento ficavam acorrentados na porta da prisão pedindo esmolas aos transeuntes?
Que os inconfidentes mineiros ficaram presos na Cadeia Velha enquanto aguardavam julgamento?
Que a Cadeia Velha foi demolida somente no século XX e em seu lugar foi construído o Palácio Tiradentes, atual sede da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro?
Que os EUA são campeões disparados na quantidade de presos e relação por habitantes com um total de 2.293.157 presos e média de 756 presos por cada 100 mil habitantes?
Que os EUA tem 5% da população mundial e 25% da população de presos do planeta?
Que o Brasil tem 229 presos por cada 100 mil habitantes, enquanto a Argentina tem 154, Portugal 104, Alemanha 89, Finlândia 64 e Japão 63?
Que o Brasil tinha população carcerária de 232.755 presos em 2000 e de 473.626 em dezembro de 2009?
Que São Paulo tem 396 presos por cada 100 mil habitantes, Rio Grande do Sul 263, Goiás 187, Rio de Janeiro 166, Bahia 97, Piauí 83 e Alagoas 75?
Que o Brasil tinha 37.731 presos provisórios em 2000 e 156.612 em dezembro de 2009?
Que 77,11% dos presos tem grau de escolaridade até o ensino fundamental?
Que 0,411% dos presos tem o curso superior completo?
Que 0,014% dos presos tem curso acima do superior?
Que 12,60% dos presos no Brasil cometeram crimes contra a pessoa?
Que 52,17% dos presos cometeram crimes contra o patrimônio e 21,81% cometeram crime de tráfico?
Que 74,5% dos presos tem idade entre 18 e 35 anos de idade?
Que o TJMG aposentou o Juiz de Contagem (MG) porque expediu Alvarás de Solturas para presos ilegais?
Que o CNJ revogou decisão do Juiz de Tupã (SP) que determinou ao Diretor da Penitenciária não receber mais presos por falta de vagas?
Que os mutirões carcerários já soltaram 21.736 presos e concederam benefícios a 36.345?
Que os presos foram soltos por já terem cumprido a pena ou porque tinham direito ao livramento condicional, ou seja, eram prisões ilegais?
Que não se cogita “quem é que vai pagar por isso”?
Que o Ministro Cesar Peluso disse em Salvador (Ba) que o sistema penitenciário está falido e o Estado comete crime contra o cidadão?
Que o Ministro Gilmar Mendes escreveu artigo no Estadão afirmando que as prisões brasileiras são depósitos de seres humanos e que algumas Varas de Execução Penal não tem a mínima estrutura de funcionamento?
Tudo isso e muito mais faz parte do estudo que vou apresentar no V Simpósio Crítico de Ciências Penais – Sistema Punitivo: entre obscenidades e resistências, promovido pelo Grupo de Estudos e Pesquisas Criminais (GEPeC), em Goiânia-GO, de 13 a 15 de maio de 2010.

As duas vertentes do Dano Moral!




Enviado pelo internauta Jorge Correia Lima Santiago que é advogado militante e apesar do sobrenome em comum não é meu parente. Bem escrito e muito interessante:
"O instituto do Dano Moral possui como função originária a compensatória, que, como o próprio nome sugere, visa compesar o ofendido pelos contrangimentos e transtornos eventualmente suportados.Porém, uma segunda nuance vem ganhando força na doutrina e jurisprudência pátria, que é a função PEDAGÓGICA.Essa vislubra coibir o comportamente utilizado pelo ofensor para que ele não volte a praticar o ato ilícito.É o que vem se denominando de DESMOTIVAÇÃO SOCIAL DA CONDUTA e tem origem no direito norte-americado, através do instituto da PUNITIVE DAMMAGES.Válido esclarecer que essa segunda função deve ser aplicada sobremaneira no caso de verificação de condutas repetitivas, geralmente praticados por "Réus Contumazes", como as grandes empresas de telefonia, de energia elétrica, instituições financeiras, dentre outras.Sou totalmente a favor dessa teoria, porquanto, para essas empresas, na maioria das ocasiões, é mais vantajoso frequentar as raias do Judiciário a implementar uma política favorável aos consumidores, na medida em que, as condenações judiciais, em regra, compensam.Pondo em prática essa tese originária dos EUA, as condenações tendem a serem majoradas e, por corolário, o prejuízo desses Réus reiterados aumentam, assim, "atingindo o bolso", essas empresas certamente passarão a investir em pessoal, em tecnologia e em novas políticas de atendimento e trato com seus clientes, preterindo a assiduidade nos corredores do Judiciário.
Ou seja, só os consumidores saem beneficiados!"

Responsabilidade Civil Subjetiva e Objetiva


Muitos estudantes estão me enviando e-mails solicitando que escrevamos algo sobre os tipos de responsabilidade civil constantes no título.
Bem, como forma de petrificar o novo e mais abrangente tema do blog e atendendo a pedidos, vamos a eles.A primeira ocorre quando se analisará a culpa do causador do ano com base no art. 186 do Código Civil:
“art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
Portanto, nesse caso, deverá ser apurada a culpa do Réu de acordo com as provas produzidas pelo Autor, pois em regra, o ônus da prova é deste.Existem casos, onde se atribui a responsabilidade civil a alguém por dano causado por ato de terceiro com quem mantém alguma relação jurídica.Nesse tipo de situação teremos uma responsabilidade civil indireta, onde não se deixa de lado totalmente o elemento culpa, pois, ele passa a ser presumido.Nos casos onde sequer se fará necessário a apuração da culpa, teremos a Responsabilidade Civil Objetiva, porquanto, a dolo ou a culpa serão desprezados, bastando que haja uma ligação entre o dano e a conduta do responsável, para que tenhamos a obrigação de indenizar.No nosso país, a teoria predominante é a Subjetivista, onde a culpa é um elemento necessário para que se apure a responsabilidade civil do agente causador do evento danoso.Todavia, o art. 927 da Cártula Civil demonstra que a teoria Objetivista não foi totalmente ignorada pelo legislador, ao percebermos a expressão “independentemente de culpa” em sua redação.Espero ter ajudado aos que solicitaram esclarecimentos sobre o tema com esse sucinto resumo.

O socialismo do PSOL

Conforme ensinou o mestre Florestan Fernandes, depois de Lênin o marxismo nunca mais foi o mesmo. Avançou bastante. Mesmo com sua densa contribuição teórica - que fez compreender os processos de desenvolvimento desigual, da revolução socialista, as estruturas do Estado ou a expansão do capitalismo agrário - foi no terreno da prática revolucionária que Lênin se revelou fundamental. Atestou pragmaticamente o caráter dialético do marxismo, que antes era apenas previsão analítica. Para isso, mostrou que a fidelidade teórica ao marxismo pode se revelar temporalmente em táticas de ação que não pressuponham a mera repetição mecanicista de Marx e Engels, prática do esquerdismo e do oportunismo. O desafio é encontrar os caminhos adequados, como fez Lênin. Com dificuldade e sabedoria teórica, o PSOL busca na prática os encontrar e tem conseguido com paciência.
A cena política e a esquerda brasileira ganharam um eixo de transformação importante com o surgimento do PSOL. Avançaram. Em escala menor, o PSTU ajudou antes com a ruptura no seu tempo. A repercussão de massas das rupturas do PSOL com o PT foi gerada por uma combinação entre análises teóricas acertadas da conjuntura e ações práticas temporais adequadas, que possibilitaram saltos reais na luta revolucionária do país. Esse acúmulo consolidou a liderança nacional de Heloísa Helena, que ficou atrás apenas de Lula e do PSDB na reeleição do filho do Brasil. Se pensarmos o músculo separado de seus efeitos, então o negamos – o que mesmo Nietzshe disse. De que nos vale repetir Marx se não conseguimos aplicar a teoria e incidir na realidade?
Acertos políticos táticos e teóricos possibilitaram ao PSOL ser hoje o único setor da esquerda socialista revolucionária com representação parlamentar nacional, estadual e municipal na democracia burguesa brasileira, combinada com presença significativa nos movimentos sociais, sindicais, rurais e populares, além da intelectualidade, movimentos estudantil e cultural, vanguardas e setores médios da sociedade. Sem capitular nem pelegar. São elos de intervenção da mesma política socialista revolucionária que se entrelaçam no jovem e forte PSOL nos 27 estados e distrito federal do Brasil. A política defendida por Martiniano Cavalcante representa bem essa característica de construção coletiva prática e de diálogo do PSOL no Brasil, representada nos quatro maiores setores da direção nacional.
O PSOL é um partido de esquerda respeitado e reconhecido na sociedade brasileira pela ética, seriedade e coerência, que dialoga com diversos setores, não apenas com parcelas deles. Com Heloísa Helena no senado federal em 2010, o PSOL terá sua líder nacional de volta ao centro do debate nacional novamente, uma figura de massas com peso popular no Brasil maior que Ciro Gomes, Aécio Neves e Marina Silva. Será um trunfo de ouro para o PSOL no Brasil ter Heloísa novamente no Senado por oito anos. É fundamental ao PSOL que seu candidato a presidente da República tenha compromisso, responsabilidade e total harmonia com esse acúmulo de capital do partido no país, que representa o sentimento implícito da ampla maioria da direção e da base do partido.
Essa busca de novos caminhos que a tática leninista e a direção do PSOL possibilitam é bastante perigosa, é certo. São caminhos complexos, inovadores e impostos pela dinâmica conjuntural, porém respaldados teoricamente. São também bastante tentadores para os que não possuem firmeza revolucionária. Corre-se até mesmo o risco de dançar o boi-bumbá maranhense, como disse Babá em artigo recente ao se referir a tentativa correta de atrair Marina Silva à estrada dos socialistas. A imensa maioria da esquerda acaba dançando mesmo – vide o stalinismo. Todavia, o PSOL não corre e jamais correu esse risco, fruto do equilíbrio de sua direção. Isso faz a unidade e o partido forte.
Esse ponto concreto da armação política do PSOL para 2010 não pode deixar dúvidas em ninguém – o que Babá, e Plínio por tabela, por fim disseminam. Está claro que a correta resolução desse conflito analítico é capaz de esclarecer as diferenças entre, de um lado, repetições mecanicistas atemporais e oportunistas de Marx e, de outro, exercícios analíticos dialéticos concretos de táticas marxistas leninistas reais e contemporâneas. A habilidade de conduzir esse conjunto de complexidades táticas e teóricas permite uma intervenção nacional e fornece a capilaridade política e social que faz do PSOL um partido respeitado em todo o Brasil. A ampla maioria da direção e da base do PSOL, que aprovaram o início e o fim do diálogo com Marina e a aproximação eleitoral com o PV no RS e com o PSB no AP, demonstram possuir essa compreensão de alguma forma. Martiniano é o único dos três comprometido com essa lógica.
Antes de analisar o movimento tático do PSOL para 2010 é necessário termos os dados reais. Para isso, devemos ter acordo quanto à realidade: primeiramente, a tática de abrir diálogo com Marina foi decidida por voto de cerca de 80% dos membros da Executiva Nacional do PSOL, jamais uma tentativa de “um setor da direção” ou iniciativa isolada de Heloísa Helena, como disse Babá no artigo “PSOL rejeita ser tripa do Boi-Bumbá maranhense”. Essa informação é chave para o debate. Os setores partidários de Plínio e Babá estiveram entre os 20% restantes.
Com relação ao artigo de Babá, o segundo fato real é que a decisão unânime da Executiva em encerrar o diálogo com Marina foi proposta e fruto de análises dos mesmos setores que formularam a tática de aproximação com Marina (MES, MTL/Poder Popular, APS, ENLACE e independentes). Foi motivada pela relação estabelecida com a senadora acreana no processo de diálogo e pela aliança desenhada pelo PV no RJ, ou seja, jamais a “militância do PSOL” impôs nenhuma “derrota sumária” à tática eleitoral de “parte da direção”, como disse Babá, mesmo porque ainda não existiu tal fórum partidário - ocorrerá em abril. O fato simples e real é que a mesma direção nacional do PSOL que definiu pela tática de conversar com Marina foi a própria que decidiu encerrar o diálogo, ambos movimentos motivados pelo mesmo raciocínio analítico tático, que talvez tenha sido um típico movimento leninista.
Parece claro que a candidatura com o perfil que melhor representa esse raciocínio maduro da imensa maioria do PSOL é Martiniano Cavalcante, visto que, a unidade política e a proximidade analítica entre Babá e Plínio demonstram que ambos estão localizados em outro patamar de compreensão e amadurecimento político partidário concreto ou subjetivo. Sabemos todos que Lênin alertou para o esquerdismo, nossa doença infantil congênita. Também nos chamou atenção ao oportunismo.
O PSOL é um partido socialista responsável e coerente. A tática de aproximação com Marina e a imposição dos limites no diálogo, conduzidos conjuntamente por MES, MTL, APS, ENLACE e Independentes na Executiva Nacional, deixam isso evidente. Essa realidade destoa da tentativa de consolidar uma idéia diferente desse processo, através do discurso comum das pré candidaturas Plínio e Babá, o que é admitido por este em seu artigo. Isso embola todo o meio campo. Por outro lado, Martiniano joga livre pelas pontas e é o candidato que possui compromisso com a construção coletiva das táticas e com a unidade e coerência do conjunto do PSOL. Apesar de possuir características completamente distintas entre si, a unidade política e eleitoral do PSOL com o PV em Porto Alegre e a aliança eleitoral com o PSB em Macapá não significaram nenhuma traição, como fazem crer o discurso “radical” de Babá e Plínio. Foram positivas e mantiveram a coerência do partido, algo que aparentemente apenas Martiniano compreende.
As análises acertadas que o PSOL vem fazendo no decorrer do período de sua existência tem proporcionado ao partido manter um bom patamar de diálogo com a população, apesar das claras dificuldades em romper a falsa polarização PT/PSDB e o bloqueio da mídia. Martiniano Cavalcante é o candidato capaz de conduzir o PSOL nacionalmente em 2010 com a leveza teórica necessária, a indispensável poesia revolucionária, a exigida coerência tática e a indispensável solidez programática, sem deixar de lado a necessária dureza marxista que a disputa entre as classes sociais exige de um revolucionário num processo eleitoral contra Dilma, Serra e Marina.
A curta história de coerência, a identidade do PSOL, bem como a responsabilidade dos setores que conduzem o partido nos distintos lugares do Brasil e que tem compromisso político com a população, seja no Amapá, no Sul, Rio, Acre, Ceará, Alagoas, São Paulo, Bahia, Rondônia, Minas ou Goiás, indicam que Martiniano Cavalcante é o candidato adequado a Presidente da República em 2010, que fará todos crerem que depois do PSOL a política brasileira nunca mais será a mesma. Avançará

Deste jeito "delicado" e depois de dizer algumas vezes que ela falava "bobagem" quando o questionava sobre autonomia do Banco Central (BC), o candidato da oposição a presidente, José Serra (PSDB-DEM-PPS) cortou a fala da jornalista Miriam Leitão - que saiu do ar - e pautou a entrevista que concedeu essa semana à CBN. A "bobagem" no conceito dele pauta a mídia até hoje, quatro dias depois.
A gafe do tucano pautou até o Instituto Teotônio Vilela (ITV), órgão de estudos do PSDB, que tenta vir em socorro do presidenciável, explicando as críticas de Serra sobre os juros altos. E vem bem na linha do mundo de fantasia que os tucanos querem impor aos eleitores brasileiros, naquela do "esqueçam o que fiz". Parece que o partido e seus integrantes, mais o fiel escudeiro DEM, jamais governaram o Brasil e não deixaram para o atual governo uma taxa Selic que em 2003 quando o presidente Lula assumiu beirava os 27,5%.Isso mesmo. Daí, uma questão: se para o ITV e o candidato José Serra, os juros do atual governo são "estratosféricos" - Serra os define como os maiores do mundo - que denominação têm aqueles juros de 27,5% do BC deles em 2003?IMPERDÍVEIS:Serra não tem propostas para governarSerra numa fase de entrevistas infelizesPiada do dia. Uma pérola! E vem da oposição

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Nada haver com maconha,


A patusca

Nelson Rodrigues

Entro na redação e o Carlos Tavares avisa: — “Olha. O correspondente do Paris-Match telefonou”. Ora, sou, como se sa­be, um pobre jornalista brasileiro, que tem de espremer o cére­bro para subvencionar o sapato da mulher e o leite do caçula. Trabalho demais e, como se sabe, jamais o trabalho promoveu a ascensão social e econômica de ninguém. Para um brasileiro pobre e, além de pobre, medíocre, um telefonema do corres­pondente do Paris-Match abre uma janela para o infinito. Ainda perguntei ao Tavares: — “Tens certeza de que sou eu mesmo?”. O colega só faltou estender a mão sobre uma bíblia invisível e jurar.
Portanto, era mesmo comigo. Sentei-me à mesa para escre­ver a minha confissão. Logo, porém, tornaram-se irrelevantes, secundários, os problemas sociais, humanos, políticos e estilís­ticos de minha coluna. Só o telefonema importava. O que me fascinava era a hipótese de uma entrevista. Imaginei-me falan­do para o mundo. Mas logo travei a minha fantasia. Uma entre­vista parecia demais e, realmente, eu não merecia tanto.
Fosse como fosse, o simples fato em si mesmo era uma hon­ra. E, de repente, o Carlos Tavares me chama: — “Paris-Match, outra vez!”. Corro, com uma sufocante dispnéia emocional. Di­go: — “Alô! Alô!”. Era, sim, o homem. E começou a falar. Mas ai, não se tratava de mim, nem de meus feitos, livros, peças e metáforas. Ele queria apenas informações sobre a “grã-fina gor­da”. Por um momento, a minha perplexidade assumiu propor­ções trágicas. Ainda repeti: — “Grã-fina gorda?”.
Custei a me lembrar que, dias antes, numa de minhas crônicas, falei, de passagem, numa “grã-fina” realmente gorda e realmente patusca como as viúvas machadianas. O Paris-Match queria saber se era fantasia ou fato. O curioso é que não era o primeiro que me interpelava a respeito. Inúmeras pessoas liga­ram para mim, intrigadíssimas: — “Mas existe mesmo? Ou é pia­da?”. Muitos achavam que se tratava de uma gorda irreal, de pura e irresponsável ficção. Tive de explicar que não, que ab­solutamente. Existia, sim. Dei a minha palavra de honra.
Ao correspondente do Paris-Match forneci informações confidenciais: — “É uma das amantes espirituais do Guevara”. Esse dado íntimo, glorioso e revolucionário, causou o melhor efeito. Mas a curiosidade do colega francês era insaciável. Que­ria saber mais, cada vez mais. Contei-lhe, então, o drama da ilus­tre senhora. Eis o caso: — era gorda sem o saber ou sem ligar à própria gordura. Até que, um dia, alguém lhe deu um retrato de Guevara, com aquele olhar de santo e aquela barba de fau­no. Foi uma paixão fotográfica e à primeira vista.
Só então baixou-lhe a súbita e inexorável consciência da própria gordura. Por uma dessas coincidências, que o diabo ex­plica, começou a receber telefonemas anônimos, em que era chamada de “Abade da Brahma” para baixo. Passou a odiar as balanças, e explico: — a balança é o espelho das gorduchas. Ora, a classe média suporta a obesidade mais generosa. Não o grã-finismo. O grã-finismo é extremamente escasso de cadeiras, bus­tos. E pior: — o retrato de Guevara era mais inclemente do que uma balança. O simples olhar do Che a esmagava.
Do outro lado da linha, o correspondente do Paris-Match dizia: — “Muito interessante, muito interessante!”. Continuei: — até que, certo dia, em conversa com um. padre de passeata, ela abre o coração. Dizem que grã-fina não chora, mas ela cho­rou: — “Eu me sinto uma baiaca!”. E, então, o sacerdote co­meça: — “Já experimentou passeata?”. A princípio, não enten­deu. Com fina malícia, o outro insinua: — “Passeata é muito bom. Para emagrecer, não há como a passeata”. E o religioso citou o próprio exemplo: — “Estou com menos barriga”. Para convencê-la, girou como uma modelo profissional. Ou por su­gestão, ou porque queria ser amável, ela admitiu: — “É mesmo! É mesmo!”. E disse mais, o padre, gravemente: — “A passeata faz bem à aerofagia. Melhor do que remédio da Flora Medici­nal”.
Desde então, a única grã-fina gorda da vida real não perde uma. Tem uma frota de intelectuais, de estudantes, que avisam: — “Hoje tem”. E lá vai ela, feliz. Quando houve a histórica dos “100 Mil”, foi a primeira a chegar e a última a sair. O padre da aerofagia deu-lhe instruções técnicas lapidares: — “Transpire, transpire”. A gorda teve um escrúpulo desculpável. Realmen­te, uma grã-fina vai do berço ao túmulo sem transpirar, jamais. O suor é coisa da classe média para baixo. Mas por amor de Gue­vara fez o sacrifício e transpirou como uma moradora do En­cantado.
O homem do Paris-Match quis saber se a Ana Karenina do retrato tinha perdido peso nas marchas das esquerdas. Disse-lhe: — “Até aqui uns oitocentos gramas”. Passara dos cem qui­los para os 99. E o colega perguntou: — “E o retrato do Che? Como tem reagido?”. Respondo: — “Maravilhosamente”. Sim, o retrato passou a tratá-la com outro charme. Houve mesmo um dia em que teve a sensação de que Guevara piscou-lhe o olho. Radiante, a grã-fina promove o remédio entre as amigas: — “A sauna é uma ilusão. Só a passeata emagrece. E serve também para aerofagia”.
O colega indaga: — “Ela participou também da passeata invisível?”. Preciso explicar. No seu último artigo, diz o meu do­ce amigo Hélio Pellegrino que houve uma passeata contra a reu­nião dos exércitos americanos. Acontece, porém, que ninguém viu tal passeata, e repito: — nenhuma pessoa, viva ou morta, enxergou tal passeata. A coisa deve ter ocorrido dentro da mais rigorosa invisibilidade. Quinhentos agentes do Dops não per­ceberam nada. Nem a reportagem, nem os transeuntes, ninguém. Mas a nossa gorducha não podia faltar, ainda que se tratasse de uma passeata espectral. Lá estava ela, a única. Pingava como um jogador de futebol depois de noventa minutos de pelada.
Expliquei que os oitocentos gramas custaram um martírio inenarrável. O que isso significa de disciplina interior, de von­tade atroz, de energia sobre-humana! Outra qualquer não teria problemas. Mas a nossa heroína é um dos maiores apetites ter­renos. E o pior é que, tendo saído em “Os mais belos interiores do Brasil”, que Manchete publica, tem uma fome de favelada. Sim, deu-lhe Deus uma fome nada seletiva. É capaz de comer a empada que matou o guarda. Mas o amor abre, sobre nossas cabeças, a bica dos milagres. Uma noite, o retrato de Guevara parecia mais frio do que o costume. Sentindo-se esnobada, ela jurou que, daí por diante, só tomaria chá com torradas. Ora, Guevara não acreditou, e vamos e venhamos: — o sujeito só toma chá nos romances e nunca na vida real. Mas a nossa gorda estava mesmo disposta a cumprir o juramento. Foi a umas três festas e, na sua fidelidade ao Che, não tocou num mísero salgadinho.
Na quarta festa, porém, foi demais. O seu apetite dava arrancos triunfais. Até que não se conteve. Passou uma bandeja. Apanhou um salgadinho e o enfiou no seio. Cinco minutos de­pois, outra bandeja. Outro salgadinho sumiu no decote. E as­sim, sucessivamente. Depois, ficou olhando a mesa. Deixou que todos se servissem. E, quando não havia mais ninguém, foi lá, apanhou uma lagosta e a introduziu pelo decote. (Dirá alguém que, a comportar tamanha lotação, seu busto é o próprio Seio de Abraão. E é.) Fez mais: — numa alucinação, foi à cozinha e arrebatou uma garrafinha de refrigerante. Ato contínuo, trancou-se no banheiro. E, lá dentro, foi comendo, comendo. Na hora de beber, quase engoliu a garrafinha com chapinha e tudo, co­mo um elefante de circo.[11/10/1968]

Perfeito


Mulher - Riolan Coutinho

Sei que virá. Pois é tua sina, o eterno retorno. Indultaremos-nos da condenação ao relento, ao pântano das ausências, com suas flores amorfas. Das ruínas do impossível surgirá linda, a alma tatuada de esperanças, o destino marcado para pertencer, as febres eriçando os pelos, a fome de retirante a espera de ser saciada. E surgirá de uma beleza indescritível, a língua com novos dialetos, a linha de meu horizonte na curva dos lábios, o riso de gerar chuvas de espanto e amores.



Eu me prenderei ao anzol de teu cio e não respeitarei as hierarquias de teu corpo e me deixarei em exilo no fluxo das marés de teu ventre. Descansarei no vão de teus seios - animal alado em vôo-, da luta de incriminar as rotas de teu corpo, navegadas sem cais e ordem, das indecências de nosso amor. Eu te sagrarei santa, e tu pecará, pelo meu prazer. Eu me farei devasso para resgatar a porção clandestina de tuas vontades e tu se vestirás de açucenas e lírios e terá cheiro de banho e lavanda.



Na vertigem abissal de tua dança de acasalamento e sedução, e na fartura precisa e exata de tua forma, inscreverei as escrituras de tua permanência, e com o alfabeto de teus encantos, e o sargaço do mar de liames que banha teus olhos, tecerei a cartilha por onde irei rezar. Tu deixarás pai e mãe e eu deixarei pai e mãe, porque a vida se despedaça na tua falta. Inaugurarei tua dinastia, e nos guiaremos pelos luares, para evitar o carpir das despedidas e dos desencantos comuns.



Urdirei tua vida como minha casa, construída peça por peça, e untarei tua pele de meu desejo. Na lavoura de nos amarmos, infindáveis, farei abrigos para te proteger. E cuidarei dos rumores de tuas dores, como minha vindima. Velarei teu sono com o abandono dos amados e quando me acordar, por vontade, saudade, medo da morte ou do fim, e nos jogarmos abraçados nos delitos de nossas bocas insensatas eu saberei enfim, em paz, que você é a flor mais bonita e derradeira do meu avesso.