sábado, 20 de fevereiro de 2010

O judiciario no Brasil



Aos que tiverem interesse em uma criativa descrição da justiça
criminal brasileira, segue texto de Celso Três, que aponta a atual e
extrema inversão de valores do nosso sistema. O diálogo do famoso
gângster com o presidente do STF parece ser uma ilustração
precisa...



Al Capone é 'amicus curiae' do STF
Celso Três

O cinematográfico 'gangster' Al(phonse) Capone, origem italiana, teve sua juventude no bairro pobre do Brooklym, Nova York, EUA. O 'Scarface' (rosto com cicatriz decorrente de navalhada), mudou-se para Chicago, onde, em 1925, 26 de idade, sucedeu Johnny Torrio dirigindo a máfia do álcool (contrabando, destilarias, cervejarias - vicejando na lei seca), casas de jogos, prostíbulos, clubes noturnos, extorsão, corrupção, etc. Em 1926, exercia o controle da máfia da cidade e reunia todas as quadrilhas, exceto duas: a de Aiello e a de Bugs. Capone e comparsas mataram todos os membros da Aiello e os chefes da Bugs. Calcula-se que o bando de Capone ganhou em 1927 cerca de US$ 100 milhões. Em 1929, honrado como o homem mais importante do ano, junto a personalidades do físico Albert Einstein e do líder pacifista Mahatma Gandhi. Embora notórios os atos do 'capobandito', a Justiça nunca conseguiu provar sua implicação direta nos brutais assassinatos e demais delitos.

Terminou preso por sonegação fiscal em 1931, condenado à pena máxima de 11 anos de prisão pelo Juiz Federal James H. Wilkerson. Encarcerado em Atlanta(1932), transladado à penitenciária de Alcatraz(1934).
Acometido de sífilis, concedida liberdade condicional(1939). Depois do hospital, viveu em sua mansão, Miami Beach, até a morte(1947).

'Amicus curiae' (amigo da corte) enseja que o Judiciário, ao decidir questões relevantes afetando a coletividade, em audiência pública, ouça a argumentação de 'experts' e interessados representativos da sociedade.
Pioneiro o caso do mercado de capitais, manifestação da CVM(art. 31 da Lei nº 6.385/76). No âmbito do STF, em sede das ações diretas de inconstitucionalidade, constitucionalidade e arguição de descumprimento de preceito fundamental(art. 7º, §2º, da Lei nº 9.868/99 e art. 6º, §1º, da Lei nº 9.882/99) são rumorosas, mobilizando a opinião pública(células tronco nos experimentos científicos, aborto de anencéfalos, etc. - ouvidas a comunidade científica, igrejas, etc).
Igualmente, julgados com força de fixar orientação geral à Justiça, como o atual debate sobre ações judiciais que buscam tratamento de saúde.

Expiados seus pecados, mais de meio século no purgatório, Al Capone reencarna, revivendo. Notório em todas as galáxias que o Brasil é o país da impunidade, o 'capo' aqui veio à luz.

Antes, todavia, de reeditar suas estrepolias, acautela-se inteirando-se do sistema jurídico, visitando a Suprema Corte. Lá, brandindo seu currículo, de imediato é recepcionado pelo Exmo. Min. Gilmar Mendes que, reconhecendo a 'expertise' de 'Scarface', à semelhança do banqueiro Daniel Dantas e políticos sempre envoltos em escândalos de corrupção, investe-o como 'amicus curiae' do STF.

Dialogando com o Exmo. Presidente da Corte, Al Capone submete sua biografia criminosa da vida passada à vigente jurisdição do Supremo.

Al Capone:

- fui investigado, acusado, condenado e preso por autoridades de 1º grau; devo temer o idealismo e perseverança desses agentes?

Min. Gilmar Mendes:

- jamais; no Brasil, Juiz de 1ª instância tem como única função impedir apuração, nunca dar andamento; todos os atos de investigação são subordinados à ordem judicial, a exemplo da pífia obtenção do cadastro de terminal telefônico celular usado pelo infrator;
indeferidas provas indispensáveis à investigação (interceptação telefônica, busca e apreensão domiciliar, quebra de sigilo bancário, prisão temporária, etc.), sequer previsão legal de recurso existe; o inquérito morre na origem; em contraposição, qualquer ato pode ser atacado em 4 graus(Juiz, Tribunal, STJ, e STF); conhece-se de 'habeas corpus' para obstar oitiva de testemunha, a título de produção antecipada de prova, em processo suspenso porque não citado pessoalmente o réu (art. 366 do CPP – RHC 85311/SP, Rel. Min. Eros Grau, 01.03.05, Informativo do STF nº 378); igualmente, contra processo suspenso(art. 89 da Lei 9.099/95)com a concordância do réu/impetrante(STJ, HC 35.203-SP, Rel.
Min. Laurita Vaz, julgado em 12/6/2006. - Informativo do STJ nº 288);

Al Capone:

- e qual o perfil desses Juízes que tudo reexaminam em prol da defesa?

Min. Gilmar Mendes:

- de per si, Juiz é detestável; no STF, temos apenas um originariamente concursado como Magistrado; o último, Min. Dias Toffoli, exibiu como única prova de seu notório conhecimento jurídico precisamente ter sido repetidamente reprovado em concurso à magistratura de SP;


Al Capone:

- nos EUA, sujeito condenado à morte, há décadas preso no angustiante aguardo da pena capital, a Suprema Corte rarissimamente admite julgar o mérito; e olha que lá não existe outro tribunal nacional à interpretação da lei federal, como há no Brasil, o STJ; e aqui?


Min. Gilmar Mendes:

- vigora a absoluta supremização do Judiciário, ou seja, rejulgamos tudo e a todos ao bel-prazer de nossa conveniência; até a bunda pode ser a 'vexata quaestio'; foi o caso do debruçar-se, longamente, em discutir se a exposição em público das nádegas do teatrólogo Gerald Thomas, logo após apresentação artística, constituiria ou não tipicidade de ato obsceno previsto no art. 233 do Código Penal; o processo ainda tramitava na 1ª instância, inexistente qualquer ameaça à liberdade de locomoção de Gerald, tampouco veredicto do Judiciário, o qual apenas fazia tramitar o processado.(HC nº 83996, Informativo do STF nº 357);

Al Capone:

- vocês do STF, que tudo podem, podem ser responsabilizados?

Min. Gilmar Mendes:

- jamais; somos imperadores, imunes à responsabilização; veja o meu caso; o STF certificara inexistência de foro privilegiado à ação de improbidade(ADI-2860, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Informativo do STF nº 401); antes de nomeado àquela Corte, ainda quando Advogado-Geral da União do Governo FHC, eu, Gilmar Mendes, sem licitação, contratei escola da qual sou sócio, o Instituto de Direito Público, para ministrar cursos aos Procuradores da União; alvo de ação de improbidade movida pelo desengonçado Procurador da República Luiz Francisco, eu, Min. Gilmar na Presidência do STF, a Suprema Corte, ao tempo em que reafirmou sua incompetência originária à ação de improbidade, disse-se competente a para julgar ('arquivar'/absolver), 'verbis':

'EMENTA: Questão de ordem. Ação civil pública. Ato de improbidade administrativa. Ministro do Supremo Tribunal Federal. Impossibilidade.
Competência da Corte para processar e julgar seus membros apenas nas infrações penais comuns.1. Compete ao Supremo Tribunal Federal julgar ação de improbidade contra seus membros.2. Arquivamento da ação quanto ao Ministro da Suprema Corte e remessa dos autos ao Juízo de 1º grau de jurisdição no tocante aos demais'(Questão de Ordem em Pet. 3.211-DF - Rel. Min. Menezes Direito, Informativo do STF nº 512).

Al Capone:

- fui condenado por sonegação fiscal; o leão, símbolo do fisco brasileiro, além de prender, devora os sonegadores?

Min. Gilmar Mendes:

- condenamos apenas quebrados e mentecaptos; os oito anos que você esteve preso seriam insuficientes à tramitação do processo e fartos em repetidas anistias; a Justiça é subalterna do Executivo, subordinada ao exaurimento da instância administrativa cujo corpo de julgadores tem representantes dos próprios sonegadores(contribuintes), pendentes mais de 40 mil processos em Brasília com provas de crime fiscal(STF, Súmula Vinculante nº 29); rotineiramente, através do Legislativo e Executivo(Leis nº 9.249/95, 9.694/00, 10.684/03, 11.345/06, 11.941/09, etc.) e a complacente exegese do Judiciário, mediante encenação de pagamento através de parcelamento jamais cumprido, tudo é extinto, arquivado;


Al Capone:

- qual seu juízo sobre sonegação fiscal; ela não surrupia do erário recursos à saúde, segurança, educação, previdência social, enfim, ao interesse público?

Min. Gilmar Mendes:

- Governo FHC – no qual militei até galgar o STF depois de, na undécima hora, abandonar o Governo Collor quando colhido pelo 'impeachment', tamanho era o açodamento em repristinar a impunidade dos sonegadores, que outorgou-se, através da Lei nº 9.249/95, art. 34, anistia a todos os delitos da Lei nº 8.137/90, incluindo corrupção do agente fiscal(art. 3º da Lei nº 8.137/90), uma vez que a norma abolitiva reportou-se à extinção '... dos crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei nº 4.729. de 14 de julho de 1965 ...' sem ressalva a qualquer deles;

Al Capone:

- vejo que no Brasil o grande 'business' é a corrupção; é isso mesmo?

Min. Gilmar Mendes:

- você não pode ser ladrão da galinha(v.g., STJ, rejeitando princípio da insignificância à tentativa do furto de R$ 30, 00 – Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, HC 137018);

Al Capone:

- e a punição? Há países, a exemplo da China, que punem a corrupção até com a pena de morte;


Min. Gilmar Mendes:

- aqui no Brasil, ao contrário, a corrupção é ungida com a vida eterna; temos a maior farra do foro privilegiado do mundo(além dos milhares constantes da Constituição Federal, através das Constituições do Estados é possível outorgar foro a vereadores, defensores públicos, procuradores dos Estados, etc – STF, ADI 2587/GO, Informativo do STF nº 372); em lugar algum, do plneta vencidos dois séculos de Suprema Corte(1808, Brasil Reino Unido de Portugal), embora a rotineira delinqüência contra a "res publicae", no âmbito da jurisdição originária do STF, sequer há registro de agentes políticos que tenham sido investigados, denunciados, condenados e cumprido pena pelos seus desvios. A AMB(Associação dos Magistrados do Brasil), em 05.07.07, divulgou criteriosa pesquisa que procedeu perante os tribunais superiores, STJ e STF; desde a vigência da atual Constituição, decorridos cerca de 20 anos, nenhuma autoridade foi condenada pelo STF;

Al Capone:

- na minha biografia criminosa há brutal defecção; não perpetrei golpes financeiros; invejo Geoge Soros, em apenas um dia(16.09.1992), apostando na desvalorização da libra esterlina, lucrou US$ 1 bilhão, de quebra, quebrando o Banco da Inglaterra, bem assim levando à bancarrota o governo Jhon Major, dando a vitória aos trabalhistas(Folha de São Paulo, 06.08.06); Soros também quebrou países, a exemplo da Tailândia e Malásia; seu fundo, o 'Soros Fund Management', titula US$ 20 bilhões(Folha de São Paulo, 11.09.08); agora, Bernard Madoff, investidor do dinheiro alheio, ex-presidente da Bolsa Nasdaq(das empresas de alta tecnologia), perpetrou fraude de US$ 65 bilhões;
entre os lesados, Bancos HSBC, Santander, UBS e Royal Bank of Scotland. fundos de caridade, a exemplo do cineasta Steven Spielberg, fundos de hedge, como Fairfield Greenwich, etc.; todavia, Madoff está recluso, condenado a 150 anos de prisão(Folha de São Paulo, 16.12.08, 13.03.09 e 30.06.09);
e aqui no Brasil?

Min. Gilmar Mendes:

- minha jurisdição é infalível e instantânea; Edemar Cid Ferreira, Banco Santos, bilionários delitos contra o sistema financeiro, fraude que lesou inúmeras pessoas, condenado em 1ª instância a 21 anos de prisão:

Decreto de prisão: 12/12/2006.
HC(Habeas Corpus) no TRF/3ª: 12/12/2006.
Indeferimento da liminar no HC do TRF/3ª: 14/12/2006(Advogado Alberto Toron intimado às 20h47min).
HC nº 72873 no STJ contra o TRF/3ª: 15/12/2006(às 14h27min).
Indeferimento da liminar no HC do STJ: 19/12/2006(às 15h23min).
HC no STF contra o STJ: 26/12/2006.
Apesar do descabimento de HC no STF contra indeferimento de liminar pelo STJ(Súmula nº 691 do STF), deferida liminar pelo Vice-Presidente, Min. Gilmar Mendes: 27/12/2006.

Al Capone:

- e os crimes de sangue explícito, violência ignominiosa, hedionda, condutas que a Constituição do Brasil obriga punição severa, como são julgados?


Min. Gilmar Mendes:

- agora, véspera do natal, mercê de meu imperial poder, individualmente, revisando decisões colegiadas das demais instâncias do Judiciário(TJ/SP e STJ), libertei sujeito cujo processo veio ao STF de trenó, tamanho o volume de acusações formalizadas, 56 estupros, o famoso médico geneticista Roger Abdelmassih(HC 102.098/SP);


Al Capone:

- para um 'gangster' a suprema pena é de público ser ostentada sua derrota para a Justiça; em 26.06.09, a Folha de São Paulo, reproduzindo peça divulgada na imprensa dos EUA, estampa fotografia do bilionário Allen Stanford, implicado em delito econômico, prejuízo em torno de US$ 7 bilhões a investidores, vestuário de presidiário(macacão laranja) e algemado, sendo conduzido ao Tribunal de Houston(Texas); a fotografia retrata um preso algemado na sua "perp walk"('perpetrator walk'), algo como a "caminhada do acusado" rumo ao foro; no caso, tratando-se de um bilionário, os americanos costumam denominar esse passeio de "corporate perp walk", que é, para a alegria de fotógrafos, cinegrafistas e curiosos, a breve aparição de um executivo que acabou de ser preso antes de sua apresentação em juízo; uma tradição americana; com algemas sempre; e aqui no Brasil, corro risco disso?

Min. Gilmar Mendes:

- jamais; aqui, além da indenização que o Estado pagaria a Al Capone, seria anulado o processo contra você e processadas seriam as autoridades, consoante a Súmula Vinculante nº 11 do STF: 'só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado'.

Al Capone:

- apesar da globalização e século XXI, o contrabando continua sendo negócio relevante; qual sua sanção?

Min. Gilmar Mendes:

- com poucos 'laranjas' você está livre; descaminho de até R$ 10 mil de tributos suprimidos(imposto de importação, sobre produtos industrializados, etc.), implicando dizer, dependendo do regime aduaneiro, valor das mercadorias superior a R$ 20 mil, é insignificante/impune(HC 924434/PR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 19.08.08, Informativo do STF nº 516).

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